Eu percebo, claro, que não me compreendas. Há um momento em que ficamos completamente sós com os nossos fantasmas. E não há, disso, amor algum que nos salve. Constatamos, em silêncio, que tudo desabou.
Mas o que eu não queria, de todo, era fazer literatura desta casa. Devo-lhe demasiadas memórias, pensei muitas vezes na sua provável ruína. Saber que é agora «minha» representa um acréscimo de dor e de responsabilidade.
Tem-me ajudado, reconheço, trazer aqui amigos, e partilhar com eles o impartilhável. Pois é-lhes difícil adivinhar quantas recordações estão associadas a uma fotografia aparentemente banal, a uma jarra coberta de pó ou ao velho gira-discos do meu pai.
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▪ Manuel de Freitas
(Santarém, n. 1972)
in “Ah, vous dirai-je, Maman”, Edição do Autor, Lisboa, 2015