Dêem-lhe o que pedir – a mão aberta como
uma ave deitada no seu peito, estancando a dor;
e beijos, muitos, pequenos goles de água na sua
boca triste. Levem-no para a luz e acendam
fogueiras nos seus olhos, pois esteve cego para
o amor. E cantem-lhe ao ouvido fados que o
tempo não possa desmentir, dêem-lhe o que pedir –
sol, uma razão, os vossos dedos mil vezes no seu
corpo, os meus dedos cortados par despertar
um sonho na sua pele. Rasguem-lhe as ligaduras
que nunca foram laços e livrem-no dos vermes
que pastam nas suas feridas. Deitem-no na neve
dos lençóis e encostem-lhe aos lábios bagas de
sumo vermelho, leite, e um pão que seja um seio
de mulher – o meu seio amputado, se ele o pedir.
Segurem-lhe o rosto com as mãos e soprem-lhe
os brancos do meio dos cabelos. Protejam-no
da escuridão absurda da noite roubando estrelas
e calem o silêncio chamando o seu nome
devagar. Porém, não o molestem nunca com
palavras – deixou a meio demasiados livros e
há-de morrer exausto do que não sabe; mas não,
não o deixem morrer mais uma vez, levem-no
convosco aonde forem e dêem-lhe o que pedir –
tempo, uma razão, o vosso riso explodindo
mil vezes nos seus lábios, as minhas lágrimas
cansadas para lavar a terra dos seus olhos. Não
o amem em vão, nem jurem amá-lo até ao fim,
porque, depois do fim, não saberão o que fazer de
tanto amor. Guardem-no, por isso, do bafo da
morte e dêem-lhe, simplesmente, o que pedir –
o vosso sangue mil vezes derramado nas suas
veias, o meu coração arrancado para lhe bater
no peito, a minha vida – sem ele ma pedir.
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▪ Maria do Rosário Pedreira
(Lisboa, n. 1959)
in “Poesia Reunida”, 2ª. edição, Quetzal Editores, Lisboa, 2013