░ na lavoura os pais

na lavoura os pais
à semeia das mães
joeiram os filhos de
envolta com o grânulo
cereal lábios de sangue
escorrido entre as pernas
ânforas de vinho nunca
antes bebido traçado às
escuras em cochos curtidos
contendo o mênstruo doce
dos áceres no interior líquido
o estame amputado cerca
ao bojo regaço das mães
enquanto elas ausentes
amamentam os filhos por
abortar nos embriões da
terra o útero a céu aberto
os filhos enjeitados à feiura
à magreza triste dos cães
rente ao bordo das cantareiras
donde se vislumbram defronte
os cancros tumores brotando
ao dependuro das árvores
das tardes doentes mais as
velhas nos janelos a espreitar
cá para fora com os rostos
caiados de morte e uns olhos
póstumos a anteverem o fim.

 

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▪ Miguel Alexandre Marquez
(Lisboa, n. 1979)
in “Coda”, Editora Língua Morta, Lisboa, 2016