o diabo tem um olhar triste em que moram
pesados devaneios irmãos de todas as coisas
meu irmão mãos malhadas de passar a ferro
uma eternidade de palavras pernas magras
cruz de sua sede irrefletida os ombros curvos
sobre o pulmão o gesto fogueira do desejo
luzes foscas no cabelo as veias secas
como fontes em que o amor não entra mais
por mais que suplique não se tira o amor
não entra ar não sai não se tira mais seus ais
e sobre o corpo prometido a cal e argila
se imobiliza enfim uma alegria intransitiva
deus é seu hospital
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▪ Marcos Siscar
(Brasil – SP, n. 1964)
in “Metade da arte”, Editora Cosac Naify, São Paulo BR, 2003