░ Um suspiro

Cresci ao lado do piano de minha irmã
a pedir-lhe Um suspiro, de Liszt: as notas
desencadeadas como o mar, querendo uma
voz , uma sentença, um rastro de silêncio,

que eu, bruto e lírico, ouvia entre pedras
de marfim. O medo a cobrir-me o rosto
sempre que pedia… Era bom sentir a vida
derretendo, se os dedos de outono vestiam-se

de mãe. As cordas do tempo no Essenfelder
− já agora vejo – a se romperem eram
as do meu peito (incapazes de sofrer).

Por mil e uma noites dentro do teclado,
segui, movendo-se distante – como eu ainda
hoje −, o frágil coração de minha irmã.

 

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▪ Sérgio Nazar David
(Brasil, n. 1964)
Da revista “Relâmpago”, nº.33, Outubro 2013