Havia o bule a tarde o postigo

Havia o bule a tarde o postigo
(um sobrolho nocturno a sonam-
bular pela casa) os bêbados e os
loucos na taberna sempre bêbados
e sempre loucos a sonambularem
pela passagem de nível enquanto lhes
perdurasse a loucura e a bebedeira
de que nunca se curavam. Havia azeite
nas lamparinas naperons de renda e
mandalas bordadas flores murchas em
salobras jarras de água centros de mesa
e o teu sobrolho-postigo (centro de tudo)
a darem para a linha do comboio. Havia
a cancela que subia e descia consoante
as vogais das máquinas campainhassem
a desoras. Havia os carrinhos de rolamentos
(havia descarrilamentos) a guiarem sozinhos
empurrados pelo vento distraído ao volante.
Não havia o verso___ havia o inverso__ o
avesso do poema. Havia o teu lenço negro
(havia tudo em ti negro) e o teu xaile sobre
o espaldar oblíquo das costas. Havia um
arquipélago de réplicas de santos e santas
processo de multiplicar idades
de entardecer o rosto num
crescendo cujo auge se situa
prestes ao raiar do fim. A tarde
cinde noite e dia __meio-termo
sem término sem fim sem terminação. A
tarde: infância da noite que determina
a feição da claridade ___noite rubra a
amadurecer no cavo fusco da lareira. A
tarde à beira-lume: destroço da manhã.

 

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▪ Miguel Alexandre Marquez
(Portugal 🇵🇹)
in “Anuário de Poesia de autores não publicados”, Assírio & Alvim, 2015