O mar na janela do avião
A terra acaba em Espanha
Eu choro em meu café
mar negro
os montes viram bicos
cinzas seios
seis da tarde em estado bruto
Ave Maria ao pé da nuvem
assento do alemão vizinho pai de um
menininho que chora mais que eu
O mar pela janela do avião é
pouso ou
pouco é o mar da
tela com suas linhas que sequestram
sempre os olhos do Gastão
que leu o Baudelaire florestalmente
Correspondência e beijo
a Guanabara e o Tejo
o frango a França a terra acaba e o
mar desta janela do avião
e eu nadando no café mar
negro entre a Alemanha e meus
segredos
Navego eu de mãos com Iemanjá
que fez a criancinha adormecer
de ver só céu com olho baixo
aberta boca
O mar numa janela de avião
tanto que sobe que é canhão
onda que nem o Carlos Burle ou Nazaré
Fotografei a nuvem coração que
diz você
parece mesmo um mapa de mina
sem tesouro lá os seios dos morrinhos
¿Ou mar pela janela do avião é só o
café que toma a mão do homem
tipo graxa tipo
medo invento incenso num cigarro
a farda do Vasco da Gama que minha
mãe dizia ser de gala?
O mar cá na janela do avião
acaba é França o mar conclui
a terra é outra a fresta esta fronteira a linha
e o cafezinho
fraco desta aérea e não acaba
O mar numa janela de avião
supõe contar nos dedos suas espumas
montantes traças vagas furadeiras
e vê tomar café o homem nu
Mar de janela de avião
nos olha sem
perguntar nada
Ave Maria cheia de graça
da graça do mar de meter na boca
_
▪ Luis Maffei
(Brasil, n. 1974)
Poema inédito publicado com autorização prévia do autor