Sempre que olho para o oceano, sempre quero falar com as pessoas,
mas quando estou a falar com as pessoas, sempre quero olhar para o oceano.
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▪ Haruki Murakami
(Japão 🇯🇵 )
Sempre que olho para o oceano, sempre quero falar com as pessoas,
mas quando estou a falar com as pessoas, sempre quero olhar para o oceano.
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▪ Haruki Murakami
(Japão 🇯🇵 )
quando a casa se cala
de repente aprendo a ter medo
e fui eu que pedi este silêncio
abro e fecho armários e gavetas
quero um lugar fechado para guardar memórias
depois fico ali sentada
à espera que algo aconteça
–
▪ Maria Sousa
( Portugal 🇵🇹 )
Levo comigo uma bagagem silenciosa.
Fechei-me tão profundamente e por tanto tempo no silêncio
que nunca consigo abrir-me através das palavras.
Apenas me fecho de outras formas quando falo.
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▪ Herta Muller
(Alemanha 🇩🇪 )
ACUMULAR- Não se devem acumular informações ou episódios narrativos. O que se acumula são perplexidades.
A literatura exige especialistas em mistérios.Mas não mistérios de detectives, com um fim determinado: o assassino é descoberto. Trata-se (na literatura) de um especialista que estuda o mistério, aumentando-o. Estudar o mistério é aumentar o mistério, não é diminuí-lo. De certa maneira, a análise literária-Bloom é também isto: não diminuir as perplexidades, aumentá-las.
No final de um texto-Bloom, ou mesmo no final de uma frase- Bloom, o leitor deve não-saber mais factos do que não-sabia antes.
Este, porém, não é um método para aumentar a ignorância, mas um método para aumentar a curiosidade.
Acumular é,pois,diminuir,tornar mais raro.
–
▪ Gonçalo M. Tavares
( Portugal 🇵🇹 )
In “ Breves Notas sobre Literatura-Bloom”
Mordisca-me os lábios
cão pássaro rapaz
(não quero que te vás embora
e sei que vais ter de te ir embora)
quero dormir contigo
com a tua mão
sobre o meu coração
para que saibas
os meus segredos
beliscas-me ao de leve
eu sei que não é um sonho
mas é como um sonho
para mim
_
▪ Adília Lopes
( Portugal 🇵🇹 )
in “Dobra” (Poesia Reunida 1983 – 2007)
Eis tudo quanto me resta, este desejo:
Que, no aconchego da noite,
Me deixem morrer
E serenamente dormir
O mais próximo possível de um bosque.
Desejaria para os meus pés,
Sob um claro céu deitado,
A imensa praia do mar.
Não exijo cortejo fúnebre
Nem um sumptuoso ataúde,
Que alguém me construa um leito,
Um leito de arbustos me basta.
Nada de lágrimas sobre o meu túmulo,
Que apenas alguém escute,
Na voz do outono e do vento,
O vagaroso rumor das folhas a cair.
Pelo murmúrio das fontes,
Passam a dulcíssima lua,
De cume em cume, resvaladiça
Por sobre os abetos,
E, agravado pelo estribilho
De chocalhos ao longe,
O frio vento da noite.
Que um amante da flor da tília
Se debruce sobre o meu leito.
Nunca serei um exilado
Para o futuro.
E carinhosamente, as reminiscências
Poderão vir a ocultar-me
De todo o ócio.
Protegidas pelos negros abetos,
As estrelas da tarde
Voltarão a sorrir-me.
E as paixões poderão bramir
No ávido suspiro do mar.
Solitário, serei terra,
Terra restituída à terra.
–
▪ Mihai Eminescu
( Roménia 🇹🇩 )
in “Transversões, Poemas Reescrito Para Português”, por Zetho Cunha Gonçalves
Editora Contracapa, 2021
O quarto do psicanalista
alberga o retrato ausente do pai
e a escolha de vinte e cinco anos da mãe;
No divã cai a dor de existir
cortando, de bisturi, o traço
fisionómico da loucura
repetindo-se consecutivamente
na tragédia da genética.
Os móveis de mogno pesado
pisam o chão que desaba
debaixo dos pés de Freud
e Freud, o chão do psicanalista,
desabando na impaciência da normalidade.
A dor só tem olhos para a vista da rua
e a sua sociedade mais forte
perante a catástrofe:
Lisboa desabando como em 1755
e nos manicómios salvando-se apenas
os diagnósticos dos cadáveres.
Todas essas folhas sem dono
são como o legado de um poeta.
“Jorge Reis, desempregado, esquizofrénico;
Maria Isabel Santos, prostituta, toxicodependente;
Ventura Casimiro, sapateiro, bipolar I;
Liliana, estudante, desgosto de amor”.
No chão ficou a voz una dos desgraçados,
o pé descalço do fetichista,
a fotografia do incendiário,
o anel de ouro comprado antes do divórcio;
Ficou a carta de Adriano e nela
o apocalipse, o nascimento de Roma
e uma ida a Marte
(Amar-te, Amar-te, Amar-te).
–
▪ Lígia Reyes
( Portugal 🇵🇹 )
Os meus mestres não são infalíveis.
Não se trata de Goethe, que só conseguia
adormecer quando ao longe
gemiam os vulcões, nem de Horácio,
que escrevia na língua dos deuses
e dos sacerdotes. Os meus mestres
pedem-me conselhos. Vestindo macios
sobretudos deitados velozmente
por cima dos sonhos, ao romper dia, quando o vento
fresco interroga os pássaros, os meus
mestres falam por sussurros.
Consigo ouvir a sua voz trêmula.
Não importa do que estávamos falando,
perdidos no emaranhado sem saber aonde
escorar a cabeça, quando não na Espanha,
ou no nosso quintal envilecido, sobre o mapa
da África, ou no coração da Europa,
diante dos campos.
Éramos vários sentados à mesa
cuspindo argumentos;
era mais que uma cena do Dogma
como um cínico podia vê-la
à distância; porém não era um filme,
era um encontro de amigos em Caracas.
Impossível acalmar os ânimos.
Tão reais como abertas
as feridas
era o desejo de justiça.
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▪ Yolanda Pantin
(Venezuela 🇻🇪)
Mudado para português por Gustavo Petter
Justicia
No importa de qué estábamos hablando,
perdidos en marañas sin saber en dónde
sentar la cabeza, cuando no en España,
o en nuestro patio envilecido, sobre el mapa
de África, o en el corazón de Europa,
ante los campos.
Éramos varios sentados a la mesa
desgranando argumentos;
era más que una escena de Dogma
como un cínico podría verla
con distancia; pero no era una película,
era un encuentro de amigos en Caracas.
Imposible calmar los ánimos.
Tan reales como abiertas
las heridas,
era el deseo de justicia.
_
▪ Yolanda Pantin
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