ESTA TARDE E A SUA CHUVA

O dia está claro e seguro, agora. Choveu.
Há uma vaga lembrança da chuva no ar.
As folhas grandes conservam dela as pequenas ruínas
— Inúmeros olhos claros, gotas limpas e frágeis —
Mas já o céu está singelamente azul
(É verdade que também há grandes nuvens brancas
Que ondulam o orgulhoso algodão e sorriem),
E o ar e a sua lembrança reclinam-se e adormecem.
Nesta tarde e sua chuva, pensei nos teus olhos.
Esta chuva pensei na tua pele, e esta tarde,
Com seu céu e suas nuvens, pensei nos teus olhos.

Uma destas tardes, disse para comigo, choverá frescamente,
Choverá nas nossas flores, choverá nas nossas folhas,
A nossa casa será regida pela chuva.
(Cujos fios longos, de cristal muito fino
Talvez se enredem nos nossos passos.)

Numa tarde tão clara como esta,
Choverá em nossa casa.
É por isso que hoje, inexplicavelmente,
Enquanto na sua rede sem peixes descia a chuva,
Enquanto as grandes flores aproximavam os lábios
Para esse longo beijo, pensei nos teus olhos
Tão tristes como meus, e nas tuas mãos, e em ti,
E numa outra tarde, quase como esta.

 

_
▪ Roberto Fernández Retamar
(Cuba 🇨🇺)
in “Patrias, 1949-1951”, La Habana, 1952

Mudado para português por _ Maria Soledade Santos _ (Poeta, tradutora e professora).
Nasceu em 1957, no Sabugal. Publicou “Quatro Poetas da Net” (Edições Sete Sílabas, 2002) e “Sob os teus pés a terra” (Artefacto vertente editorial da Cossoul, 2011). Mantém os blogues de poesia e tradução: http://metade-do-mundo.tumblr.com/ e https://mdcia.wordpress.com/



VERSÃO ORIGINAL / VERSIÓN ORIGINAL

 

░  Esta tarde y su lluvia

 

El día es claro y firme ahora. Ha llovido.
Hay un vago recuerdo de la lluvia en el aire.
Las grandes hojas guardan sus minúsculas ruinas
—Múltiples ojos claros, gotas limpias y débiles―
Pero ya el cielo está sencillamente azul
(También, es cierto, hay grandes nubes blancas
Que ondean su orgulloso algodón y sonríen),
Y el aire y su recuerdo se recuestan y duermen.
Esta tarde y su lluvia, he pensado en tus ojos.
Esta lluvia he pensado en tu piel, y esta tarde,
Con su cielo y sus nubes, he pensado en tus ojos.

Una tarde, me he dicho, lloverá frescamente,
Lloverá en nuestras flores, lloverá en nuestras hojas,
Nuestra casa será regida por la lluvia.
(Allí sus hilos largos, de cristal delgadísimo,
Se enredarán quizá en nuestros propios pasos.)
Una tarde tan clara como esta misma tarde,
Lloverá en nuestra casa.
Por eso hoy, inexplicablemente,
Mientras su red sin peces descendía la lluvia,
Mientras las grandes flores acercaban sus labios
Hacia ese largo beso, yo pensaba en tus ojos
Tan tristes como míos, y en tus manos, y en ti,
Y en otra tarde casi como ésta.

 

_
▪ Roberto Fernández Retamar
(Cuba, n. 1930)
in “Patrias, 1949-1951”, La Habana, 1952