EU VI KAFKA NO QUARTO DE BRINQUEDOS

Eu vi Kafka no quarto de brinquedos
Conduzia um trem infinito
sobre trilhos que pareciam enguias
Debaixo da cama outra criança desarmava
uma lagarta fluorescente
A lagarta tinha o rosto de Kafka
também os móveis, os relógios
as paredes tinham seu rosto
as aranhas aborrecidas em suas teias
os brinquedos no quarto
O único que não tinha o rosto de Kafka
era o próprio Kafka cujo rosto
parecia uma página em branco

 

_
▪ Mario Meléndez
( Chile 🇨🇱 )
Mudado para português – Floriano Martins

EU VI KAFKA NO QUARTO DE BRINQUEDOS

Eu vi Kafka no quarto de brinquedos
Conduzia um trem infinito
sobre trilhos que pareciam enguias
Debaixo da cama outra criança desarmava
uma lagarta fluorescente
A lagarta tinha o rosto de Kafka
também os móveis, os relógios
as paredes tinham seu rosto
as aranhas aborrecidas em suas teias
os brinquedos no quarto
O único que não tinha o rosto de Kafka
era o próprio Kafka cujo rosto
parecia uma página em branco

 

_
▪ Mario Meléndez
( Chile 🇨🇱 )
Mudado para português do brasil por _ Floriano Martins

░ APONTAMENTOS PARA UMA LENDA

Uma mulher está parada numa ponte
que nunca existiu
A sua pele que nunca foi beijada
flutua sobre as águas do tempo
como uma lembrança sem rosto
Uma carta nunca lida
esforça-se por alcançar a margem
no intuito de que alguém a encontre
Um homem que nunca leu
que não sabe ler
que nunca aprendeu
encontra a carta e o corpo
debaixo da ponte
O homem chora de impotência
enquanto a carta se desfaz
entre os seus dedos
O rio que está cheio de lágrimas
condói-se daquele homem
e revela-lhe o segredo da carta
E o homem louco de amor
reúne as suas noites e sonhos
para se lançar dessa ponte
que nunca existiu

 

_
▪ Mario Meléndez
(Chile, n. 1971)
in “Vuelo Subterráneo”, Talca, Chile, 2004

*

Mudado para português por _ Maria Soledade Santos _ (Poeta, tradutora e professora).
Nasceu em 1957, no Sabugal. Publicou “Quatro Poetas da Net” (Edições Sete Sílabas, 2002) e “Sob os teus pés a terra” (Artefacto vertente editorial da Cossoul, 2011); participou em “Divina Música”, Antologia de Poesia sobre Música, Viseu, 2010.
Mantém os blogues de poesia e tradução: http://metade-do-mundo.tumblr.com/ e https://mdcia.wordpress.com/



VERSÃO ORIGINAL / VERSIÓN ORIGINAL

 

APUNTES PARA UNA LEYENDA

 

Una mujer está parada sobre un puente
que no existió jamás
Su piel que jamás fue besada
flota sobre las aguas del tiempo
como un recuerdo sin rostro
Una carta que jamás fue leída
lucha por alcanzar la orilla
para que alguien la descubra
Un hombre que jamás ha leído
que no sabe leer
que no aprendió jamás
halla la carta y el cuerpo
debajo de ese puente
El hombre llora de impotencia
mientras la carta se deshace
entre sus dedos
El río que está lleno de lágrimas
se apiada de aquel hombre
y le revela el secreto de esa carta
Y el hombre loco de amor
junta sus noches y sus sueños
para arrojarse de ese puente
que no existió jamás

 

_
▪ Mario Meléndez
(Chile, n. 1971)
Extraido del libro “Vuelo Subterráneo”, Talca, Chile, 2004