Eu sou o rio dos mortos
dos meus parentes mortos
e os meus mortos são o mundo inteiro.
Eu sou o rio dos mortos
nasci da sede pelo dó das lágrimas
quando mortos todos os pensamentos.
Eu sou o rio dos mortos
me criei no pântano das palavras
dos restos tudo trago.
Eu sou o rio dos mortos
minha carne é das nuvens.
Se fujo só dou em mim.
Eu sou o rio dos mortos
e o meu choro o que devolve à terra
o chão do sal da terra o chão.
Eu sou o rio dos mortos
minha margem de árvores
dos astecas que me sangraram.
Eu sou o rio dos mortos
da terra não passo
ninguém me ultrapassa sem desvão.
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▪ Júlia de Carvalho Hansen
(São Paulo BR, n. 1984)
in “Cantos de estima”, Selo de Estimas e Grama, Editora Douda Correria, Lisboa, 2015