EIS TUDO QUANTO ME RESTA, ESTE DESEJO

Eis tudo quanto me resta, este desejo:
Que, no aconchego da noite,
Me deixem morrer
E serenamente dormir
O mais próximo possível de um bosque.
Desejaria para os meus pés,
Sob um claro céu deitado,
A imensa praia do mar.
Não exijo cortejo fúnebre
Nem um sumptuoso ataúde,
Que alguém me construa um leito,
Um leito de arbustos me basta.

Nada de lágrimas sobre o meu túmulo,
Que apenas alguém escute,
Na voz do outono e do vento,
O vagaroso rumor das folhas a cair.
Pelo murmúrio das fontes,
Passam a dulcíssima lua,
De cume em cume, resvaladiça
Por sobre os abetos,
E, agravado pelo estribilho
De chocalhos ao longe,
O frio vento da noite.
Que um amante da flor da tília
Se debruce sobre o meu leito.
Nunca serei um exilado
Para o futuro.
E carinhosamente, as reminiscências
Poderão vir a ocultar-me
De todo o ócio.
Protegidas pelos negros abetos,
As estrelas da tarde
Voltarão a sorrir-me.
E as paixões poderão bramir
No ávido suspiro do mar.
Solitário, serei terra,
Terra restituída à terra.

 


▪ Mihai Eminescu
( Roménia 🇹🇩 )
in “Transversões, Poemas Reescrito Para Português”, por Zetho Cunha Gonçalves
Editora Contracapa, 2021