A minha avó era trans humanista tinha um pacemaker,
transístor acomodado na gaiola do tórax
com faísca dada por físico prodigioso
num bloco operatório soturno.
A minha avó era descrente do progresso
encomendava-se a Nossa Senhora,
cumpria cá penitência
acatava a lida austera e linear – a ciência
só empurrada
e o corpo casa alheia calcinada num incêndio.
Natural seria cortá-la prematura a gadanha
por subir em esforço a pétrea escada
numa tarde canicular – finar-se
abismada num silvado.
Natural era deixar o músculo persistir
na conduta negligente
deixá-lo fazer má figura
igual ao ébrio que a desoras desagua no recinto
e cuida acertar o passo com o ritmo
de uma fanfarra inexistente.
Mas na carne feita à imagem do eterno
Enfiou-se o pequeno artefacto
para induzir sem falha o pulsar antinatural
– ó sabotagem soez da salvação,
arrogância do artificio
e da razão!
A minha avó fora portanto melhorada
e o divino barro assim conspurcado
por exíguo gerador
e fios de cobre condutor
que jamais carne humana gerou.
À humílima pilha agradeço cada minuto
que lhe estendeu o trânsito na terra,
cada batimento que a fez subir a escada
a guiar os patos a casa
como se fora sua mãe.
_
▪ Rui Lage
( Portugal 🇵🇹 )