Isto é a Ordem!
Tudo
sumido numa ordem,
tudo dependente das ordens,
dos mecanismos, dos uniformes,
das fronteiras, dos princípios,
dos códigos, dos fins.
Isto é a Ordem!
Símbolos, mensagens, leis,
ordenamentos, conceitos,
praga de conceitos,
desde que nascemos
até que morremos,
todos
escravos dos conceitos.
Mas, nascemos? Morremos?
É possível tal coisa
no meio de tanta Ordem?
E computadores, computadores:10
faltava este grande invento
para que tudo seja uma Ordem.
Uma Ordem!
Isto é uma Ordem!
Ordeno e mando!
Às suas ordens!
Uma Ordem é a nossa Razão,
essa sim é uma Ordem,
da qual nascem todas as ordens,
mãe dos nossos crimes,
sombra das nossas luzes,
poço dos nossos sonhos:
A palhaça do mundo!
Determinações, mandamentos:
como dez mandamentos ?
milhares e milhares de mandamentos!
Cálculos, classificações,
rituais, milhares de rituais.
Tudo medido,
tudo milimétrico.
Como poderemos ser
únicos e companheiros?
Ordem de Malta,
Ordem de São Bento,
ordens mendicantes,
ordens e contra-ordens.
A quadratura do círculo!
A quadratura da Beleza!
A quadratura do pensamento!
Pobre pensamento:
se o pensamento é uma criança…
Como sair da Ordem
estabelecida, imposta, justiceira
uma Ordem
de dominados e dominantes,
de vencedores e vencidos.
E a ordem dos factores!
Ordens, Academias,
isso sim, Reais,
mentalizadoras.
O Mundo
é uma Ordem fantástica,
enlouquecida,
faz e desfaz,
faz e desfaz.
Atenha-se às ordens!
Uma Ordem! É uma Ordem!
(Espero que saibais
o que quero dizer
quando digo Ordem…)
“>Não, não: o que nós
necessitamos são desordenadores,
mudar a Ordem,
a implacável Ordem,
este viver matemático e geométrico,
mimético, envenenador.
É a Ordem!
Que se pode esperar
se nascer é uma ordem,
morrer é uma ordem.
Tanta Ordem
e tanto sofrimento!
Por ordem alfabética!
Por ordem de aparecimento em cena!
Não, não:
eu quero desordenar-me,
necessito de desordenar-me, libertar-me
de tanto ordenamento
que faz de mim uma Ordem.
É a Ordem!
Cuidado com a Ordem!
Como sentir
se se é uma Ordem?
Como pensar
se se é uma Ordem?
Como sonhar
se se é uma Ordem?
Regras, medidas, alfaiates
enlouquecidos, medidores.
Isto é a Ordem!
Ordens de registo:
levo os bolsos
cheios de ordens de registo.
Forças da Ordem.
Claro: da Ordem!
Mal saio de uma Ordem
e já me persegue outra Ordem:
Ordem pública, pública,
Ordem íntima: um
a dar ordens
a si mesmo!
E vozes preventivas
e vozes executivas,
pobres vozes!
Passem, senhores, passem!
A numerar-se! A ordenar-se!
Proibido alterar a Ordem!
Isto
é uma Ordem!
Reflexos condicionados,
funções condicionadas,
pessoas rectas,
ideias fixas,
deuses, deuses
rectos e fixos,
imagens: que mistura
de imagens, de sombras,
de ordens.
Uma Ordem! Uma Ordem!
A norma, a regra:
tem a regra,
cumpre a ordem.
É a Ordem,
o grande teatro da Ordem!
A eterna submissão
do diverso à Ordem!
Liberdade!
dentro de uma Ordem!
A Ordem!
Isto é a Ordem!
Dizei-me: do homem!
Que resta aqui do homem?
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▪ Jesús Lizano
(Espanha 🇪🇸 )
in “O Engenhoso Libertário – Breve Antologia Poética de Jesús Lizano“, com organização, tradução e prefácio de Carlos d’Abreu, Douda Correria, Lisboa, 2015