FRAGMENTOS PARA DOMINAR O SILÊNCIO

I.

As forças da linguagem são as damas solitárias, desoladas, que cantam através de minha voz que escuto à distância. E longe, na negra areia, jaz uma criança densa de música ancestral. Onde a verdadeira morte? Quis iluminar-me à luz de minha falta de luz. Os ramos morrem na memória. A jacente aninha em mim com sua máscara de loba. A que não pode mais e implorou chamas e ardemos.

II.

Quando voa o telhado da casa da linguagem e as palavras não a protegem, eu falo.

As damas de vermelho se extraviaram dentro de suas máscaras embora regressem para soluçar entre flores.

Não é muda a morte. Escuto o canto dos enlutados selar as rachaduras do silêncio. Escuto teu dulcíssimo pranto florescer meu silêncio triste.

III.

A morte restituiu ao silêncio seu prestígio enfeitiçante. E eu não direi meu poema e eu hei de dizê-lo. Mesmo que o poema (aqui, agora) não tenha sentido, não tenha destino.

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▪ Alejandra Pizarnik
( Argentina 🇦🇷 )

SOUS LA NUIT

 

para Y. Yván Pizarnik de Kolikovski, meu pai

 

___ Os ausentes sopram cinzentamente e noite é densa.
A noite tem a cor das pálpebras do morto.
___ Fujo toda a noite, enceto a perseguição e a fuga, canto
um canto para os meus males, pássaros negros sobre mor-
talhas negras.
___ Grito mentalmente, o vento demente desmente-me,
confino-me, afasto-me da mão crispada, não quero saber
de mais nada senão deste clamor, este arquejar da noite,
esta errância, este não se encontrar.

___ Toda a noite faço a noite.
___ Toda a noite me abandonas lentamente como a água
cai lentamente. Toda a noite escrevo para procurar quem
me procura.
___ Palavra por palavra eu escrevo a noite.

 

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▪ Alejandra Pizarnik
( Argentina 🇦🇷 )
in “Antologia Poética”, Editora Tinta da China, Lisboa, 2020

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Mudado para português por _ Fernando Pinto do Amaral  🇵🇹  Professor, Tradutor e Poeta

 

SOMBRA DOS DIAS POR VIR

 

A Ivonne A. Bordelois

Amanhã
hão-de me vestir de cinzas ao alvorecer,
encher-me-ão a boca de flores.
Vou aprender a dormir
na memória de um muro,
na respiração
de um animal que sonha.

 

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▪ Alejandra Pizarnik
( Argentina 🇦🇷 )
Do livro “Os trabalhos e as noites”, Editora Língua Morta, Lisboa, 2013
Mudado para português por _ Diogo Vaz Pinto 🇵🇹 Poeta, Jornalista e Editor