do sofrimento,
————– eu fiz um canto.
da alegria,
———– —da luta,
do fracasso,
————- do amor,
————- e do sol e do luar,
eu fiz um canto.
da miséria toda desta vida,
—————da minha pequenez,
—————da minha imensidão,
da sede infinita de infinito,
———–das certezas que não tenho,
eu fiz um canto.
da minha compaixão,
————– de palavras mendigadas,
no firmamento, na terra,
————– nas montanhas e nos mares,
———- —-aos animais
e ás árvores,
—————-à chuva
às tempestades,
—————-eu fiz um canto.
da noite
—————e da madrugada,
da melodia
—————e do silêncio,
dos vivos
—————e até dos mortos,
e do meu jardim secreto,
—————-com aromas e sabores
e dos tormentos dos homens,
do aço das duas fábricas,
eu fiz um canto.
da loucura,
————– do meu corpo,
e da guerra que há na paz,
————–de toda a minha ternura,
da minha raiva,
————–e descrença,
————–e até da minha esperança,
eu fiz um canto.
de tudo o que em mim ferveu,
————-do humano,
ao desumano,
————-céu e inferno,
do mortal ao imortal,
————-do Nascente
e do Sul,
———— do Poente,
e do Norte,
———— eu fiz um canto.
da prostituta perdida,
—————– dos meus olhos mentirosos,
do tempo que nunca volta,
—————– do desespero dos sábios,
da inocência dos tontos,
—————- eu fiz um canto.
do silêncio
—————- e da palavra,
do secreto
—————- e do patente,
da liberdade,
—————- do escravo,
e do senhor, que é o mais servo,
—————- eu fiz um canto.
do fogo
—————- e das suas cinzas,
do sonho que me assombrou,
—————- do mistério que há em Tudo,
e do Nada transparente,
—————- eu fiz um canto.
esse canto se evolou,
—————- por cima da minha vida,
por cima da minha morte,
—————- fulminante como um raio
soando com um lamento,
—————- ardendo como um vulcão.
eu não sei quem o criou.
sei que voou de repente
e que depois, mansamente,
em meu coração pousou.
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▪ Adalberto Alves
(Lisboa, n. 1939)
in “Navegação imperfeita”, Editora Labirinto, Fafe, 2017