A caixa de música
Senhoras e cavalheiros em linhas de retratos
Na sala de estar da tua casa da cidade,
Sobre uma pequena cruz e uma caixa de música
Que toca apenas silêncio nos dias de hoje
Para uma audiência de cadeiras e sofás drapeados.
Ouves a mulher sem abrigo
A confortar o cãozito assustado a seu lado
Ao estender farrapos para fazer a cama deles
Sob os degraus de mármore que os teus criados
Esfregavam todos os dias por causa das pegadas?
*
A sonhar ou acordado?
Um homem corre atrás de mim na rua
Para me vender um relógio de bolso.
Parece um pregador antigo, de outros tempos
Pálido como um fantasma e vestido de negro.
O relógio da estação de comboios
Parara nos cinco minutos para as onze.
O do banco de poupanças
Jurava serem quase três
Quando me abordou com o relógio
Cuja falta de números e ponteiros
Queria que eu examinasse e admirasse
Antes de ficar sem ar com o preço pedido.
*
O meu amigo Alguém
Por causa da repentina corrente de ar frio,
É possível, uma porta abriu-se
Algures na quietude do anoitecer.
Alguém hesita à entrada
Com um sorriso leve
De premonição feliz.
Neste dia sem data,
Numa rua secundária, escura
Tirando a luz de uma TV
Aqui e além,
E uma árvore solitária em flor
Arrastando uma cauda longa
De pétalas brancas e sombras.
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▪ Charles Simic
(Sérvia 🇷🇸)
Mudado para português por _ Francisco José Craveiro de Carvalho _ (Poeta, Tradutor e Matemático)