AMO-TE, NOITE…

Amo-te, Noite, mais velha que os deuses,
E os teus caminhos, que se enchem de estrelas,
E a tua fronte que as papoulas ornam
_________ Cegas de luz.

Fugindo frágil dos dois filhos teus,
Tal como o vento, enredo-me em teu manto,
E sob a sombra do tombado archote
_________ Não sei nem penso.

Pois sinto em ti, mãe negra, e não nos deuses
Outros diurnos, que a verdade existe,
E que em seu rosto, como o teu velado,
_________ Não morrerei.

 

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▪ Alexei Bueno
( Brasil 🇧🇷 )
in “Desaparições”, Antologia organizada e prefaciada por Arnaldo Saraiva, Editora Exclamação, Porto, 2017

ANAMNESE

Não procures atravessar o espelho,
Não há nada atrás dele e nada nele,
Não é de vidro e prata a tua pele,
Nem te mira invertido o que há adiante —
É parede, não porta, esse aparelho
Que faz a luz mentir, presa no instante.

Mas no que há atrás de ti, e não se espelha
Ao fundo do teu simulado rosto,
Ali fica o portal, jamais exposto,
Que espera a chave nova e há eras lavrada,
Ali há um que contigo se assemelha,
E que a empunha a te olhar, e não diz nada.

 

21-9-2015
 
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▪ Alexei Bueno
( Brasil 🇧🇷 )
in “Desaparições”, Antologia organizada e prefaciada por Arnaldo Saraiva, Editora Exclamação, Porto, 2017