Vinha ___ do outro lado do tempo ___ do inverno seguinte
um ruído rápido e ao mesmo tempo, assim parecia,
anfíbio
como alguém em trânsito para o seu mar
ao sair do emprego, e o instrumento
sol-terra-lua-homem-mulher-puta-que-vos-pariu-deus-vos-abençoe-te-
-etecetera-amen-
a buzinar-lhe aos ouvidos
e de vertiginosa a roda um instrumento a mais
em potência de tortura passou imediatamente a ser
útil vertiginosamente indispensável
porque é uma rosa e só por isso
porque tudo segue o mesmo percurso e no mesmo tempo
e na mesma roda de espaço que nós em tudo
e só por isso
quando a caixa toráxica passa a ser de metal
por assimilação
e de plástico por fora e roda no corpo
e só no sexo o circuito é uma onda fundente
liquidamente
lemos o capítulo do sangue
quando em transe se descarrega como a campainha
de que as palavras são o toque e os silêncios
o clarão da música.
Assim se fala, ouvem-se telefones, como possuídos
por outrem
de que as palavras se chamassem fala
e o terror ventriloquia.
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▪ Luiza Neto Jorge
( Portugal 🇵🇹 )
in “Poesia 1960-1989”, Assírio & Alvim, Lisboa, 1993