2.

É de noite que ele dança, fulgurante
e ébrio, como uma espada de sangue
no deserto. A cidade esvazia-se nas casas,
inventa uma árvore morta, um sonho circular
que se escoa num novelo, entre os dedos.
E quando a noite finda e os homens ressuscitam,
ele transporta uma tábua dentro do peito
como um vírus roendo o seu próprio ninho.

 

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▪ Jaime Rocha
( Portugal 🇵🇹 )
in “Extermínio”, Relógio D’ Água, Lisboa, 2003
 

░ Corvo gigante

Na cidade existe um único pássaro
que grita.

Tudo se esboroa num momento
de silêncio.

Ele fica só
e chama as coisas pelos nomes
o mármore as pedras o cimento
a água os canos.

Tudo aquilo tem um sabor
que se estende pelo mar
como um corvo gigante.

É um pássaro lilás
que rouba as nogueiras
e desespera.

 


▪ Jaime Rocha
(Nazaré, n. 1949)
in “A perfeição das coisas”, Editorial Caminho, Lisboa, 1988