ESTAÇÃO DE BUPYEONG

 

A chuva de primavera cai na estação de Bupyeong.
Na paragem de autocarros do bairro,
uma mulher que coxeia
envolta em plástico branco,
vende flores até altas horas da noite,
dizendo a todos para se transformarem em primavera,
para se transformarem em flores enquanto a vida continua.
Entrega timidamente
ao jovem funcionário da estação de serviço
o último ramo de frésias amarelas,
e sai a coxear
em direção à chuva de primavera que cai branca
no meio das luzes amarelas ao longo da plataforma.
Embarca no último comboio para Incheon Oriental
apertando firmemente a mão
do filho com Síndrome de Down.

 

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▪ Jeong Ho-Seung
( Coreia do Sul 🇰🇷)
Mudado para Português por Jorge Sousa Braga

SILÊNCIO

Quando os dias compridos chegam ao fim, é preciso um tempo para estar em silêncio. Como quando estou em frente da lareira e , inconscientemente, estendo as mãos tensas para o silêncio, com os dedos abertos para o seu calor fugidio.

▪ Han Kang
( Coreia do Sul 🇰🇷)
in “O livro branco”( pag. 143)
Publicações D. Quixote, 2018

 

Cubos de açúcar

Ela devia ter na altura uns dez anos. Acompanhada por uma irmã, ia a um café pela primeira vez, e foi também a primeira ocasião em que viu cubos de açúcar. Aqueles cubinhos embrulhados em papel branco eram de uma perfeição infalível, decididamente demasiado primorosos para ela. Tirou o papel com todo o cuidado e passou o dedo sobre a superfície granulosa.
Desfez um canto, tocou-lhe com a língua, mordiscou aquela doçura estonteante e, por fim, meteu-o num copo de água e suspirou enquanto o via derreter-se.
Hoje já não é grande apreciadora de coisas doces, mas ver um prato com cubos de açúcar embrulhados ainda evoca nela a sensação de estar a presenciar algo sumptuoso. Há certas memórias que se mantêm imunes à erosão do tempo. E do sofrimento. Por isso, não é afinal verdadeiro que tudo seja deturpado pelo tempo e pelo sofrimento. Nem é verdade que tudo se perca ou seja destruído.

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▪ Han Kang
( Coreia do Sul 🇰🇷)

in “O livro branco”(pag. 87)
Publicações D. Quixote, 2018

MÃE

Mãe,
acho que vou fazer uma visita ao Inferno.
Não importa que seja muito longe.
Partirei de manhã como se estivesse a sair para o trabalho,
voltarei à noite como se tivesse saído do trabalho.
Não te esqueças das refeições, mastiga bem os alimentos antes de engolir,
certifica-te que desligas o gás quando saíres
e não te preocupes comigo.
O inferno deve ser um lugar onde vivem pessoas.
Se eu for para o Inferno para ganhar a vida
poderei finalmente tornar-me uma pessoa.

 

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▪ Jeong Ho-Seung
( Coreia do Sul 🇰🇷)
Mudado para Português por Jorge Sousa Braga

GANHAR A VIDA

Mãe,
acho que vou fazer uma visita ao Inferno.
Não importa que seja muito longe.
Partirei de manhã como se estivesse a sair para o trabalho,
voltarei à noite como se tivesse saído do trabalho.
Não te esqueças das refeições, mastiga bem os alimentos antes de engolir,
certifica-te que desligas o gás quando saíres
e não te preocupes comigo.
O inferno deve ser um lugar onde vivem pessoas.
Se eu for para o Inferno para ganhar a vida
poderei finalmente tornar-me uma pessoa.

 

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▪ Jeong Ho-Seung
( Coreia do Sul 🇰🇷)
Mudado para português por _ Jorge Sousa Braga

AS PESSOAS DE QUE EU GOSTO

Não gosto de pessoas que não têm sombras.
Não gosto de pessoas que não gostam de sombras.
Gosto de pessoas que se tornaram na sombra debaixo de uma árvore.
A luz do sol também precisa de sombra para brilhar e deslumbrar os olhos.
Sentado à sombra de uma árvore
observo a luz do sol brilhando entre as folhas,
que beleza a deste mundo.

Não gosto das pessoas que não têm lágrimas.
Não gosto das pessoas que não gostam de lágrimas.
Eu gosto das pessoas que se tornaram numa lágrima.
A alegria também não é alegria sem lágrimas.
Será que existe amor sem lágrimas?
A visão de alguém sentado à sombra de uma árvore
enxugando as lágrimas do outro,
beleza e quietude.

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▪ Jeong Ho-Seung
( Coreia do Sul 🇰🇷)
Mudado para português por _ Jorge Sousa Braga

░ Perguntando pelo caminho

Vós loucos que perguntais o que é deus
devíeis antes perguntar o que é a vida.
Descubram um porto onde floresçam limoeiros
Perguntem por sítios para beber no porto.
Informem-se sobre os bebedores.
Façam perguntas sobre os limoeiros.
Perguntem voltem a perguntar até nada mais haver para perguntar.

 

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▪ Ko Un
(Coreia do Sul, n. 1933)
Mudado para português por Francisco José Craveiro de Carvalho (Poeta, Tradutor e Matemático) a partir da versão inglesa de Suji Kwock Kim e Sunja Kim Kwock.



Original version / Versão original

 

░ Asking the Way

 

You fools who ask what god is
should ask what life is instead.
Find a port where lemon trees bloom.
Ask about places to drink in the port.
Ask about the drinkers.
Ask about the lemon trees.
Ask and ask until nothing’s left to ask.

 

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▪ Ko Un
(Coreia do Sul, n. 1933)
Translated from the Korean to Suji Kwock Kim and Sunja Kim Kwock