░ oratório

conheci o homem mais elegante do mundo
o homem que transformou a minha vida num oratório
é o único homem que não tem nome
asjoias dos seus ossos ouço-as através das paredes
reconheço a sua estatura pelo bater do mar em meu coração.

por vezes a sua voz amável entra em meus pulmões e eu não canto
ressoa numa delicada paloma de âmbar
e a sombra de fogo que vai deixando vai ampliando o céu.
sei então que me abeirei do relicário mais secreto da alma
onde entrego o sangue da sua generosidade a uma gaveta de prata.
sei ainda que aí é possível conceber as gemas de Deus.
quando é escuro e a noite se derrama
tocamo-nos com a devoção de Bach e adormecemos
numa silhueta única.
às vezes crio a ilusão de ele ser meu pai.

 

_
▪ Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “De Amor Ardem os Bosques”, Edição de Autor, Lisboa, 2010



CASTELHANO

 

ORATORIO

 
conocí el hombre más elegante del mundo
el hombre que transformó mi vida en un oratorio
es el único hombre que no tiene nombre
las joyas de sus huesos oigo a través de las paredes
reconozco su estatura por el golpear del mar em mi corazón.

por veces su voz amable adentra en mis pulmones e yo no canto
resona en una delicada paloma de ámbar
y la sombra de fuego que va dejando va ampliando el cielo.
sé entonces que me aproximé del relicario más secreto de la alma
donde entrego la sangre de su generosidad a un cajón de plata.
sé aún que ahí es posible concebir las gemas de Diós.
cuando es oscuro y la noche se derrama
nos tocamos con la devoción de Bach y adormecemos
en una silueta unica.
a veces creo en la ilusión de ello ser mi padre.

 

_
▪ Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “De Amor Ardem os Bosques”, Edição de Autor, Lisboa, 2010
Tradução – Gustavo Petter (Araçatuba/SP, Brasil).
Publica poemas e traduções na página agradaveldegradado.blogspot.com.br

 

 

░ espejos niños

los niños escriben
su alegría
donde el poema es más oscuro

saltan los instantes
de muro
en
muro

regresan
blancos
traspasados por la flama

uno de ellos dijo:
cuando crezca voy a ser la luna

 

_
▪ Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “A Chuva nos Espelhos”, Editora Alma Azul, Coimbra, 2008

Mudado para castelhano por – Sandra Santos, estudante de mestrado em “Estudos Editoriais” pela Universidade de Aveiro, Portugal. Desenvolve projectos na sua área de estudos. Escreve e tra/produz. Membro do colectivo artístico “Mutações Poéticas”. Co-fundou a página de facebook “Poesia em matéria fria”. Em 2016, co-coordenou o sexto número da revista de poesia “Cuaderno Ático”. A sua missão de vida é contribuir para a partilha de conhecimento, através da sua intervenção político-poética no mundo.



VERSÃO ORIGINAL/ VERSIÓN ORIGINAL

 

espelhos crianças

 

as crianças escrevem
a sua alegria
onde o poema é mais obscuro

saltam os instantes
de muro
em
muro

regressam
brancas
trespassadas pelo lume

uma delas disse:
quando crescer vou ser a lua

 

_

▪ Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “A Chuva nos Espelhos”, Editora Alma Azul, Coimbra, 2008

 

░ 15.

Da tua solidão ficou um círculo de sombras
Um talismã que uso em meu cabelo branco.

 

_
▪ Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “A Sombra da Romã”, Editora Apenas Livros, Lisboa, 2011



CASTELHANO

 

░  15.

De tu soledad sobró un círculo de sombras
Un talismán que uso en mi pelo blanco.

 

_
▪ Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “A Sombra da Romã”, Editora Apenas Livros, Lisboa, 2011
Mudado para castelhano por – Gustavo Petter (Araçatuba/SP, Brasil)
Publica poemas e traduções na página agradaveldegradado.blogspot.com.br

 

░ EN ESTES DÍAS DE FRÍO LONDRINO

en estes días de frío londrino apetece quedar en casa
abrir un libro cerrarlo para lo sostener en el regazo
quedar en la silla reposando un poco más
oír las hojas de los pequeños arbustos
mirar de nuevo la pintura al óleo que conozco bien
mientras va anocheciendo en el zumbido
de alguno insecto venido del jardín
o el tic tac del reloj que se cuela al corazón
en poemas de afecto
silenciosos
escondidos entre las manos

 

_
▪ Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “A Chuva nos Espelhos”, pág. 40, Editora Alma Azul, Coimbra, 2008
Tradução – Gustavo Petter (Araçatuba/SP, Brasil)
Publica poemas e traduções na página agradaveldegradado.blogspot.com.br



 VERSÃO ORIGINAL/ VERSIÓN ORIGINAL

 

nestes dias de frio londrino

nestes dias de frio londrino apetece ficar em casa
abrir um livro fechá-lo para o segurar ao colo
ficar na cadeira de repouso um pouco mais
ouvir as folhas dos pequenos arbustos
olhar de novo a pintura a óleo que seu de cor
enquanto vai anoitecendo no zumbido
de algum insecto vindo lá de fora do jardim
ou o tic-tac do relógio que se cola ao coração
em poemas de afecto
silenciosos
escondidos entre mãos

 

_
▪ Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “A Chuva nos Espelhos”, pág. 40, Editora Alma Azul, Coimbra, 2008

 

░ I

Recordo os roseirais do tempo, as esmeraldas, as suas memórias
o verde é a cor das árvores seculares impenetráveis
ouço as noites cantar pelos campos dentro dos cedros
a morte acende dois castiçais movendo a pupila dos olhos

de um lado para outro há um agitar alto de crateras
a lua abre os lençóis da luz aos lábios dos vulcões da noite
poemas que se entranham noutros poemas dentro da aragem
e fundem-se as vozes dos jardins das corolas
luz inesgotável face da água
anjos da eternidade pedalando para sempre
cantando em violinos aéreos no perfume dos lilases

encontro-me na posição da chama que se desliga do corpo
sou uma paisagem vertical e grande
atravessada por um instrumento cirúrgico

sou uma limalha de sons uma borboleta ávida
que magneticamente atrai outras palavras ao tacto e à vidência
um renascimento uma lembrança uma vocação tremenda
pontos de água e fogo alimentam a boca-ânfora de uma criança
amor é o seu nome, um abstracto nome.
em grandes bosques do silêncio eu amo esta criança
dentro da aurora infantil dos seus dedos
pelas ramagens verdes o fresco fulgor das galerias de sombras
o mistério atravessa-a numa pedra acesa
da sua boca brotam o arbusto de um relâmpago uma flecha
em todo o seu lento e científico clamor
oh secretos lábios da minha amada infância
que rebenta em magnólias incendiadas em flor

e quando me inclino sobre os diques dos poentes
o fogo me recolhe em seus barcos de licor e mel
caio brutalmente latejando numa gruta aberta
perdida entre as altas torres das cidades
e as suas negras portas

os objectos parecem vozes nas pontas dos lápis
lá fora os semáforos estão cheios de fórmulas
apagamos as mãos mutilando os gestos
pela noite descem rosas de neve nos bosques

corro então alucinadamente para onde sou visível
os meus gritos mostram raras jóias na chaminé das casas
milhares de homens passam incessantemente
é nas palavras que me deposito em cinzas

uma raiz da noite aprende a respirar. estou acordada
vejo com outros olhos as aves e a pupila dos astros
dom que ascende da clareira dos bosques

 

_
Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “De Amor Ardem os Bosques”, Edição de Autor, Lisboa, 2010



Castelhano

I.

Recuerdo la rosaleda del tiempo, las esmeraldas, sus memorias
el verde es el color de los árboles seculares impenetrables
oigo la noche cantar por los campos dentro de los cedros
la muerte enciende dos candeleros moviendo la pupila de los ojos

de un lado para el otro hay un agitar alto de crateres
la luna abre las sábanas de la luz a los labios de los volcanes de la noche
poemas que entrañanse en otros poemas dentro de la brisa
y se hunden las voces de los jardines de las corolas
luz inagotable mejilla del agua
angeles de la eternidad pedaleando para siempre
cantando en violines aéreos en el perfume de los lilas

me encuentro en posición de la llama que se desliga del cuerpo
soy una paisaje vertical y grande
atraviesada por un instrumento cirurgico

soy un enjambre de sonidos una mariposa ávida
que magneticamente atrae otras palabras al tacto y a la videncia
un renacimiento un recuerdo una vocación tremenda
puntos de agua y fuego alimentan la boca-ánfora de un niño
amor es tu nombre, un abstracto nombre.
en grandes bosques del silencio yo amo este niño
dentro de la aurora infantil de tus dedos
por las ramajes verdes el fresco fulgor de las galerías de sombras
el misterio la atravesa en una piedra encendida
de su boca brota el arbusto de un relámpago una flecha
en todo su lento y cientifico clamor
ho secretos labios de mi amada infancia
que revienta en magnolias encendiadas en flor

y cuando me inclino sobre los diques de los ponientes
el fuego me recoge en sus barcos de licor y miel
caigo brutalmente latiendo en una gruta abierta
perdidas entre las altas torres de las ciudades
y sus negras puertas

los objetos parecen voces en las puntas de los lápiz
fuera los semáforos están llenos de fórmulas
apagamos las manos mutilando los gestos
por la noche bajan rosas de nieve por los bosques

entonces corro locamente para dónde soy visible
mis gritos muestran raras joyas en las chimeneas de las casas
millares de hombres pasan incesantemente
es en las palabras que me deposito en cenizas

una raíz de la noche aprende a respirar. estoy despierta
veo con otros ojos las aves y la pupila de los astros
don que asciende del claro de los bosques

_
Maria Azenha
(Coimbra, n. 1945)
in “De Amor Ardem os Bosques”, Edição de Autor, Lisboa, 2010
Tradução – Gustavo Petter (Araçatuba/SP, Brasil). Publica poemas e traduções na página agradaveldegradado.blogspot.com.br