O LIVRO

Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para
ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para
metade da livraria.
Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa,
senão estou perdido.
No entanto, as pessoas que entravam na livraria estavam todas
muito bem vestidas de quem precisa salvar-se.

Comprei um livro de filosofia. Filosofia é a ciência que trata
da vida; era justamente do que eu necessitava-pôr ciência na minha
vida.
Li o livro de filosofia, não ganhei nada, Mãe! não ganhei nada.
Disseram-me que era necessário estar já iniciado, ora eu só
tenho uma iniciação, é esta de ter sido posto neste mundo à imagem
e semelhança de Deus. Não basta?

Imaginava eu que havia tratados da vida das pessoas, como
há tratados da vida das plantas, com tudo tão bem explicado, assim
parecidos com o tratamento que há para os animais domésticos,
não é? Como os cavalos tão bem feitos que há!
Imaginava eu que havia um livro para as pessoas, como há
hóstias para cuidar da febre. Um livro com tanta certeza como uma
hóstia. Um livro pequenino, com duas páginas , como uma hóstia.
Um livro que dissesse tudo, claro e depressa, como um cartaz, com
a morada e o dia.

 

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▪ Almada Negreiros
( Portugal 🇵🇹 )