A ARRUMADORA

Era uma mulher que tinha sempre pressa e nem sabia bem de quê
Não podia estar parada
dizia
e por isso tinha que estar sempre a arrumar
tudo à sua volta.
Do que mais gostava era de pôr coisas no lixo.
Depois de arrumar o que já estava arrumado e ela desarrumara
para poder arrumar
punha no lixo tudo o que podia
e não podia:
toda a sua casa se queixava que lhe desapareciam coisas.
Morreu nova:
o deus que a criara imitou-a
e pô-la rapidamente
no lixo

 

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▪ Teresa Rita Lopes
( Portugal 🇵🇹 )

Quarta-Feira de Cinzas!

Os rituais antigos não esquecem mais.
O meu tempo de menina era ritmado por essas datas
que implicavam gestos e comeres próprios.
Até o laico Carnaval!
Esses símbolos foram-se e nada os substituiu.
Os dias do ano agora são meninos de asilo
vestidos todos com o mesmo bibe.
Estes versos são talvez uma maneira de os distinguir.
O dia acordou taciturno
de cinzas mesmo.
Em menina a Quarta-feira de cinzas era o meu clandestino
Carnaval
sozinha na varanda
lançando para meu único regalo
os restos de serpentinas e confetis que tinha trazido
da festa de Terça Feira Gorda.
Agora todos os dias são magros.
É da tristeza do dia
esta melancolia
bem sei.
Dantes a minha Quarta-feira de Cinzas era alegre
porque gozava em solidão o já passado Carnaval.
“Tu gostas da solidão.
Eu não.”
Dizia a minha Mãe
e é verdade.
Vá lá saber porquê.
Mas a solidão não é triste
quando fazemos boa companhia a nós próprios.
E a melancolia toca violino.


▪ Teresa Rita Lopes
( Portugal 🇵🇹 )

EU A SÓS COMIGO

Quem não aparece, esquece
– diz o povo –
mas também aborrece
quem demais aparece,
digo eu.
Por mim não gostava de aparecer nos jornais
nem na televisão constantemente.
O meu nome é meu
e ainda mais o meu eu!
Não gostava de o ver a beber e a brindar
com os que ocupam o palco do acontecer.
Preciso de estar a sós comigo
para ser eu
embora não saiba bem quem é
essa que sou.
O que preciso de escrever a toda a hora
se calhar são mensagens para esse meu
oculto eu
que amo tanto
desde sempre
– e nunca nos vimos cara a cara!

 


▪ Teresa Rita Lopes
( Portugal 🇵🇹 )