Matei meu pai e minha mãe com um garfinho
– com um garfinho – porque os confundi com dois
pássaros nas árvores do caminho. Matei os meus pais
com a pinça de catar cubos de açúcar do meu avô:
não disse uma só palavra o adorado ídolo a quem eu,
todas as manhãs, saúdo tirando o chapéu. O gato da
minha vizinha tomou-me sob a sua protecção. Veio
sentar-se a meu lado, vigiando-me constantemente – a
sua crina, de pele de coelho bestialmente escovada por
detrás e os seus olhos em forma de ovos de cegonha.
Agora estou só agora e mortalmente triste:
todo o trabalho abandonado: choro – apoiada no
caixãozinho onde dormem lado a lado.
o meu pai e a minha mãe que eu matei com um garfinho
no maldito dia dos meus dezasseis anos.
Marianne Van Hirtum
Bélgica (1935-1988)
Tradução de Regina Guimarães