POEMA DO NATAL

Caíram bombas em Seul, minha mãe
e dizem que não foi ninguém.
Vieram das sete partes da loucura
e em pássaros sombrios
e deitaram bombas em Seul
e não foi ninguém.
– Hoje é Natal, minha longínqua mãe.

Como eu o mundo tem a mãe ausente.
– Seul fica longe
mas é vizinha da nossa alma
amarga e doente…

Não foi ninguém
mas há cravos vermelhos e mortais
nos pulsos das crianças
e enquanto o Natal se pendura
nos pinheiros de todos os pontos cardeais
meteram-se estilhaços
na carne das esperanças
e as mulheres grávidas abrem os ventres
às estrelas das metralhas
e as entranhas estão quentes
de balas e vinganças.

Hoje é Natal e dizem que Cristo nasceu
e nós todos nascemos cada qual em sua cruz…
e depois cuspimo-nos nas caras
e morremos iluminados de pus.

Hoje é Natal, minha mãe
e caíram bombas em Seul
e apesar de não ser ninguém
secaram-se todos os pinheiros da pequena cidade.
– O mundo não tem Natal nem mãe.

 


▪ Herberto Helder
( Portugal 🇵🇹 )
in “Eco do Funchal,1953)