MORNING STAR

Meus pés pisam a Câmara do Meio,
Minhas mãos tocam o que os Anjos são.
Já de onde estou, branqueja o Limiar
Do íntimo Sacrário. Sinto o ar
Do silêncio ulterior tocar meu seio,
E rasgam-se olhos no meu coração.

Mas que é tudo isto, se isto não é nada?
Que sei eu disto?, que bem pode ser
Aquela aérea, falsa e linda estrada
Que nos desertos se consegue ver?
Venci? Perdi-me? Não o sei dizer.

Poder! Poder! Ah,sempre a maldição
Da substância do mundo! Quem me dera
Que me nascera no ermo, coração
Antes a ânsia de ser só mesquinho,
Antes um sono cheio de perdão,
E ser agora qual menino eu era,
(Dos mesmos Anjos mais fiel vizinho).

Caminhei como os homens; sou como esse
Que viajou países por achar,
E não achou mais neles do que houvesse
Na Pátria onde se houve de apartar.
Tudo é aqui, mais mar ou menos mar.
(…)

 
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▪ Fernando Pessoa
( Portugal 🇵🇹 )
Rosea Cruz, Edições Manuel Lencastre, 1989