O QUARTO DO PSICANALISTA

O quarto do psicanalista
alberga o retrato ausente do pai
e a escolha de vinte e cinco anos da mãe;
No divã cai a dor de existir
cortando, de bisturi, o traço
fisionómico da loucura
repetindo-se consecutivamente
na tragédia da genética.
Os móveis de mogno pesado
pisam o chão que desaba
debaixo dos pés de Freud
e Freud, o chão do psicanalista,
desabando na impaciência da normalidade.
A dor só tem olhos para a vista da rua
e a sua sociedade mais forte
perante a catástrofe:
Lisboa desabando como em 1755
e nos manicómios salvando-se apenas
os diagnósticos dos cadáveres.
Todas essas folhas sem dono
são como o legado de um poeta.
“Jorge Reis, desempregado, esquizofrénico;
Maria Isabel Santos, prostituta, toxicodependente;
Ventura Casimiro, sapateiro, bipolar I;
Liliana, estudante, desgosto de amor”.
No chão ficou a voz una dos desgraçados,
o pé descalço do fetichista,
a fotografia do incendiário,
o anel de ouro comprado antes do divórcio;
Ficou a carta de Adriano e nela
o apocalipse, o nascimento de Roma
e uma ida a Marte
(Amar-te, Amar-te, Amar-te).

 


▪ Lígia Reyes
( Portugal 🇵🇹 )