Abri as portas da minha casa
as portas do meu tempo
as portas do meu nada
a um hóspede com joelhos de areia
que me traz o pequeno almoço à cama
e faz amor comigo usando as palavras remotas
de todos os degelos passados.
Nada de sério,
um clique da memória,
efémero,
uma aventura adolescente
que não imporá quarentena.
Um assobio de regresso
e voltarei alegre,
porque alegres são os reencontros
e até as melancolias.
O hóspede cheira ao tabaco preto
dos meses do pós-guerra
– espessa-me o sangue, causa trombos –
perfila sombras contra a minha luz.
Cheira a lúpulo e ao despertar de agosto,
adelgaça a cintura das minhas tardes
e incita-me a beijar os lábios do tempo.
Este meu hóspede parece-se tanto com a ausência
– carta timbrada na cidade que um poeta inventou –
que essa certeza me deixa vazia.
A minha casa.
O meu tempo.
O meu nada.
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▪ Carmem Ruiz Fleta
( Espanha 🇪🇦 )
Mudado para português por — Maria Soledade Santos 🇵🇹 Poeta, tradutora e professora