NO FINAL

No final, muito poucas são as palavras
que realmente nos magoam, e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
E são também muito poucas as pessoas
que tocam nossos corações, e ainda
menos as que o fazem por muito tempo.
No final, são pouquíssimas as coisas
que realmente importam na vida:
ser capaz de amar alguém, ser amado
e não morrer antes de nossos filhos.

 

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▪ Amalia Bautista
( Espanha 🇪🇸 )
Mudado para português do brasil por Nelson Santander

Proyecto de un beso

Poema de Leopoldo María Panero  | Voz de Silvana Ortega 

 

Te mataré mañana cuando la luna salga
y el primer somormujo me diga su palabra.

Te mataré mañana poco antes del alba
cuando estés en el lecho, perdida entre los sueños
y será como cópula o semen en los labios
como beso o abrazo, o como acción de gracias.

Te mataré mañana cuando la luna salga
y el primer somormujo me diga su palabra
y en el pico me traiga la orden de tu muerte
que será como beso o como acción de gracias
o como una oración porque el día no salga.

Te mataré mañana cuando la luna salga
y ladre el tercer perro en la hora novena
en el décimo árbol sin hojas ya ni savia
que nadie sabe ya por qué está en pie en la tierra.

Te mataré mañana cuando caiga la hoja
decimotercera al suelo de miseria
y serás tú una hoja o algún tordo pálido
que vuelve en el secreto remoto de la tarde.

Te mataré mañana, y pedirás perdón
por esa carne obscena, por ese sexo oscuro
que va a tener por falo el brillo de este hierro
que va a tener por beso el sepulcro, el olvido.

Te mataré mañana cuando la luna salga
y verás cómo eres de bella cuando muerta
toda llena de flores, y los brazos cruzados
y los labios cerrados como cuando rezabas
o cuando me implorabas otra vez la palabra.

Te mataré mañana cuando la luna salga,
y al salir de aquel cielo que dicen las leyendas
pedirás ya mañana por mí y mi salvación.

Te mataré mañana cuando la luna salga
cuando veas a un ángel armado de una daga
desnudo y en silencio frente a tu cama pálida.

Te mataré mañana y verás que eyaculas
cuando pase aquel frío por entre tus dos piernas.

Te mataré mañana cuando la luna salga
te mataré mañana y amaré tu fantasma
y correré a tu tumba las noches en que ardan
de nuevo en ese falo tembloroso que tengo
los ensueños del sexo, los misterios del semen
y será así tu lápida para mí el primer lecho
para soñar con dioses, y árboles, y madres
para jugar también con los dados de noche.

Te mataré mañana cuando la luna salga
y el primer somormujo me diga su palabra.

 

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▪ Leopoldo María Panero
( Espanha 🇪🇸 )

 

 

LA ASIMETRÍA

Dos hermanas gemelas de camino.

Quien con ellas se cruza nunca aclara
a cuál mirar. Si habla hacia la una,
piensa en la otra, pero no distingue
la que devuelve su saludo. Vistan
distinto o igual, tampoco importa mucho.
Solo se diferencian por sus hábitos.

Una sostiene el libro, otra pasa
la página. Una, el cazo; otra,
el cucharón. Una sujeta el peine,
otra estira los rizos. Y mientras una escribe,
la de enfrente dormita. Soñadora,
la que prefiere ir oculta en el bolsillo.

Dos hermanas que solo rezan juntas.

 

 

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▪ José Ángel Cilleruelo
( España 🇪🇦 )
Publicado con autorización previa del autor

Bedford street

Ela deu-me a faca e disse: crava-a
No segundo espaço intercostal.
Onde é? perguntei-lhe. abriu a blusa
E assinalou, risonha, um ponto: aqui.

Algo devia haver naquela viagem
Que a fazia diferente. mais intensa.
Viam-se mais coisas. ascendíamos
A inéditos sons e raras cores.

Não havia confusão. até o detalhe
Mais ínfimo nos era compreensível.
Sugeri: por que não com barbitúricos?
É lento, retorquiu. já experimentei.

E o ácido gástrico é horrível
Como um trauma, porém, físico.
Substituí o seu dedo pelo meu
E ali apoiei a faca suavemente.

E cravei-a de repente. Não fosse
Mudar de ideia, se eu fosse lento.

 

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▪ José María Fonollosa
( Espanha 🇪🇸 )
Mudado para português por Luís Costa

HOKUSAI

Foi o meu pai quem me iniciou
na pintura. Fê-lo com revistas,
bem editadas,daquele lugar perdido
a que chamávamos – e chamamos – a Repúplica.
desenhei e pintei durante uns anos
com a fúria inútil do converso.
Era como se vivesse dentro dos quadros
do solitário Museu d’Art Modern,
onde nunca havia ninguém. Parecia
uma cidade francesa de província.
E,de súbito,o primeiro Hokusai.
Listas oblíquas varrem toda uma ponte
e homens e mulheres com guarda-chuvas.
Agora que sou velho queria viver
dentro de uma destas paisagens de Hokusai.
Que me protegessem,ao atravessar a minha ponte,
as linhas oblíquas,tensas,rápidas.
As delicadas grades da chuva.

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▪Joan Margarit
( Espanha 🇪🇸 )
in ” Misteriosamente Feliz”, Língua Morta

BREVES NOTAS

Ontem queimei um lençol,
com o ferro,
fiz isso sozinha,
gravei-lhe um colorido triângulo torrado
graças à televisão.
Tenho sempre a televisão pequena na cozinha
enquanto passo a ferro:
uma criança negra numa guerra
mamava ao peito de sua mãe morta.
Senti que tinha engolido uma bola de pêlo.
Não irei esquecer isso:
o leite gotejou para dentro do meu peito.

 

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▪ Miren Agur Meabe
( Espanha 🇪🇸 )
Mudado para português por  João Barreto Guimarães

A ORDEM

Isto é a Ordem!
Tudo
sumido numa ordem,
tudo dependente das ordens,
dos mecanismos, dos uniformes,
das fronteiras, dos princípios,
dos códigos, dos fins.
Isto é a Ordem!

Símbolos, mensagens, leis,
ordenamentos, conceitos,
praga de conceitos,
desde que nascemos
até que morremos,
todos
escravos dos conceitos.

Mas, nascemos? Morremos?
É possível tal coisa
no meio de tanta Ordem?

E computadores, computadores:10
faltava este grande invento
para que tudo seja uma Ordem.

Uma Ordem!
Isto é uma Ordem!
Ordeno e mando!
Às suas ordens!

Uma Ordem é a nossa Razão,
essa sim é uma Ordem,
da qual nascem todas as ordens,
mãe dos nossos crimes,
sombra das nossas luzes,
poço dos nossos sonhos:
A palhaça do mundo!

Determinações, mandamentos:
como dez mandamentos ?
milhares e milhares de mandamentos!

Cálculos, classificações,
rituais, milhares de rituais.
Tudo medido,
tudo milimétrico.
Como poderemos ser
únicos e companheiros?
Ordem de Malta,
Ordem de São Bento,
ordens mendicantes,
ordens e contra-ordens.
A quadratura do círculo!
A quadratura da Beleza!
A quadratura do pensamento!

Pobre pensamento:
se o pensamento é uma criança…

Como sair da Ordem
estabelecida, imposta, justiceira
uma Ordem
de dominados e dominantes,
de vencedores e vencidos.
E a ordem dos factores!

Ordens, Academias,
isso sim, Reais,
mentalizadoras.
O Mundo
é uma Ordem fantástica,
enlouquecida,
faz e desfaz,
faz e desfaz.
Atenha-se às ordens!
Uma Ordem! É uma Ordem!

(Espero que saibais
o que quero dizer
quando digo Ordem…)

“>Não, não: o que nós
necessitamos são desordenadores,
mudar a Ordem,
a implacável Ordem,
este viver matemático e geométrico,
mimético, envenenador.
É a Ordem!

Que se pode esperar
se nascer é uma ordem,
morrer é uma ordem.
Tanta Ordem
e tanto sofrimento!

Por ordem alfabética!
Por ordem de aparecimento em cena!
Não, não:
eu quero desordenar-me,
necessito de desordenar-me, libertar-me
de tanto ordenamento
que faz de mim uma Ordem.

É a Ordem!
Cuidado com a Ordem!
Como sentir
se se é uma Ordem?
Como pensar
se se é uma Ordem?
Como sonhar
se se é uma Ordem?

Regras, medidas, alfaiates
enlouquecidos, medidores.
Isto é a Ordem!

Ordens de registo:
levo os bolsos
cheios de ordens de registo.
Forças da Ordem.
Claro: da Ordem!

Mal saio de uma Ordem
e já me persegue outra Ordem:
Ordem pública, pública,
Ordem íntima: um
a dar ordens
a si mesmo!

E vozes preventivas
e vozes executivas,
pobres vozes!

Passem, senhores, passem!
A numerar-se! A ordenar-se!
Proibido alterar a Ordem!
Isto
é uma Ordem!

Reflexos condicionados,
funções condicionadas,
pessoas rectas,
ideias fixas,
deuses, deuses
rectos e fixos,
imagens: que mistura
de imagens, de sombras,
de ordens.
Uma Ordem! Uma Ordem!

A norma, a regra:
tem a regra,
cumpre a ordem.
É a Ordem,
o grande teatro da Ordem!
A eterna submissão
do diverso à Ordem!

Liberdade!
dentro de uma Ordem!

A Ordem!
Isto é a Ordem!

Dizei-me: do homem!
Que resta aqui do homem?

_
▪ Jesús Lizano
(Espanha 🇪🇸 )
in “O Engenhoso Libertário – Breve Antologia Poética de Jesús Lizano“, com organização, tradução e prefácio de Carlos d’Abreu, Douda Correria, Lisboa, 2015
 

2 POEMAS DE ALBA FLORES ROBLA


Onde vives, qual o número do teu telemóvel

onde vives, qual o número do teu telemóvel
qual é o teu prato favorito
lês ou preferes jogos de vídeo
o que gostarias que te oferecesse no aniversário
onde costumas passar as férias na praia ou na montanha
doce ou salgado
o que causa alergia
de que flores gostas
quantos beijos deste quantas bocas beijaste
alguma vez choraste a ver um filme
de que tens medo
escolhe sol ou lua rio ou piscina cabelo curto ou comprido
dormes mal de noite
preferes o verão
que fazes quando não tens nada que fazer
o que achas
maquilhas-te saltos altos ou sapatilhas
olhos claros olhos escuros
que amigos tinhas em miúda que querias ser quando
fosses grande
quais eram os teus sonhos
o que sabes sobre as estrelas podes encontrar o norte
seguindo-as
gostas de animais

alguma vez partiste uma costela
quem foi o teu primeiro amor onde foi o teu primeiro
amor
como queres que os teus filhos se chamem
queres ter filhos quantos
por que te puseram esse nome
que fizeste como começou quantos anos tinhas
achas que alguma vez chegarei a conhecer-te como se te
tivesse conhecido sempre

*

Coisas prestigiantes

Adoro que faças coisas prestigiantes,
que tenhas um mestrado e um doutoramento
numa coisa que eu não sei o que quer dizer,
que viajes pelo mundo inteiro fazendo conferências
de ponteiro laser na mão
e de gravata à volta do pescoço.
Que te aplaudam

e tires dúvidas com received pronunciation* e
sorriso perfeito,
que façam os teus pais parar na rua
e se possam comprar online os teus livros sobre
coisas prestigiantes
que eu não sei o que significam.

*Pronúncia considerada tradicionalmente como
norma para o inglês britânico (Wikipedia).

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▪ Alba Flores Robla
( Espanha 🇪🇸 )
Mudado para português por _Francisco José Craveiro de Carvalho 🇵🇹