O Trabalho da Formiga

 


Poema e Voz | Diogo Costa Leal
Guitarra | João Canedo

 

As formigas são eussociais
Pequenas reticências terrestres

As formigas são a força mais coesa esquecida pelos homens

Cada pequena formiga
segura as suas gerações inteiras num único ninho de abundância secreta
cada pequena formiga
cuida de patas dadas alastradas a uma só unidade
a prole insuperável, porque longe das coroas maiores que as formigas.
Cada pequena formiga divide e ausculta a sua minúscula indispensável tarefa
Cada pequena formiga é reprodutora
E outra é operária
Todas na sua tarefa sanguínea da sabedoria do verbo mais contínuo
Suor longevidade impenetrável inquestionável sob os nossos pés
E nós
Os monstros homens
A atropelarmo-nos a cada novo dia
Como grandes e tenebrosas formigas amnésicas
Homens ausentes dos próprios homens
Pisando os homens como quem pisa a negligência com o ombro que esbate na pressa
De um outro homem passado.

Vejo uma pétala sozinha a caminhar.
Não. É uma formiga que a leva.
A pétala é bem maior que a formiga e a formiga não se detém:
Chama mais uma formiga e outra e outra
Mil formigas a não descansar enquanto a pequena grande pétala não for levada
Para dentro de um pequeno buraco
Porta para uma grande vida geral.

Uma nova formiga sobe a minha mão
Faz-me amar a coerência perfeita da sua espécie…
Quem me dera que ela me chamasse as amigas
E me servisse pétalas à sua mesa..

Escrevo sobre o prolongamento invisível das formigas

Ah formigas pequenos deuses da derradeira coesão inquebrável

E nós, os homens
Essa longa interrogação egoexcêntrica
Cantamos quando devíamos suar.
Suamos demais quando devíamos cantar

Desço a mão
E uma formiga regressa a casa

E fica-me um formigueiro nos dedos
Prontos enfim
Para uma escrita de novo mais animal mais incansável
Uma escrita que leve um pequeno grão de areia
Ou uma pequena pétala
Ao amor abandonado da humanidade.

 

__

▪ Diogo Costa Leal
( Portugal 🇵🇹 )