CENA FINAL

deixei a porta entreaberta
sou um animal que não se resigna a morrer

a eternidade é a escura dobradiça que cede
um pequeno ruido na noite da carne

sou a ilha que avança sustentada pela morte
ou uma cidade ferozmente cercada pela vida

ou talvez não sou nada
somente a insônia e a indiferença brilhante dos astros

deserto destino
inexorável o sol dos vivos se levanta
reconheço essa porta
não há outra

gelo primaveral
e um espinho de sangue
no olho da rosa.

 

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▪ Blanca Varela
( Peru 🇵🇪 )
Mudado para português do brasil por _ Tiago Fabris Rendelli

ÁGAPE

Hoje ninguém veio perguntar alguma coisa;
nem nesta tarde ninguém me pediu nada.

Não vi sequer uma flor de cemitério
em tão alegre procissão de luzes.
Perdoa-me Senhor: morri tão pouco!

Nesta tarde todos, todos passam
sem nada me perguntar nem pedir nada.

E não sei o que esquecem e que fica
em minhas mãos tão mal, qual coisa alheia.

Saí até à porta,
tenho vontade de gritar a todos:
Se alguma coisa lhes falta, ela está aqui!

Porque em todas as tardes desta vida,
não sei que portas nos atiram na cara
e algo estranho se apodera da minha alma.

Não veio ninguém hoje;
e que pouco hoje nesta tarde morri!

 


▪ César Vallejo
( Perú 🇵🇪 )

UM CÂNTICO PARA A MÃE

Contigo mãe
Terminaram todas as recordações
Resta-nos o esquecimento como um muro
Sobre a tragédia da vida
Tu levaste todas as dores
Para que nada fique connosco
Nem o arrependimento sequer
De não estarmos mais contigo enquanto foi móvel a tua existência
Mãe, eu já lavei o meu rosto com lágrimas
Para que não ficasse nenhuma pegada
Do teu derradeiro olhar.

 
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▪ Julián Petrovick
( Peru 🇵🇪 )