A POETA QUE DESAPARECEU

Será que ela se deitou para dormir
entre flores brancas?
Será que ela era uma fonte sussurrante
será que ela era um passarinho no galho?
Será que ela estava perdida na floresta
de palavras em itálico?
Quiçá se transformou
num poema lá na floresta?

 


▪ Ingibjörg Haraldsdóttir
( Islândia 🇮🇸 )
Mudado para português do Brasil por Francesca Cricelli

*

SKÁLDKONAN SEM HVARF

 

Var hún lögst til svefns
meðal blómanna hvítu?
Var hún hvíslandi lind
var hún smáfugl á grein?
Var hún týnd í skógi
af skáletruðum orðum?
Var hún ef til vill orðin
að ljóði úti í skógi?

 


▪ Ingibjörg Haraldsdóttir
( Islândia 🇮🇸 )

NO FINAL

No final, muito poucas são as palavras
que realmente nos magoam, e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
E são também muito poucas as pessoas
que tocam nossos corações, e ainda
menos as que o fazem por muito tempo.
No final, são pouquíssimas as coisas
que realmente importam na vida:
ser capaz de amar alguém, ser amado
e não morrer antes de nossos filhos.

 

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▪ Amalia Bautista
( Espanha 🇪🇸 )
Mudado para português do brasil por Nelson Santander

FRAGMENTOS PARA DOMINAR O SILÊNCIO

I.

As forças da linguagem são as damas solitárias, desoladas, que cantam através de minha voz que escuto à distância. E longe, na negra areia, jaz uma criança densa de música ancestral. Onde a verdadeira morte? Quis iluminar-me à luz de minha falta de luz. Os ramos morrem na memória. A jacente aninha em mim com sua máscara de loba. A que não pode mais e implorou chamas e ardemos.

II.

Quando voa o telhado da casa da linguagem e as palavras não a protegem, eu falo.

As damas de vermelho se extraviaram dentro de suas máscaras embora regressem para soluçar entre flores.

Não é muda a morte. Escuto o canto dos enlutados selar as rachaduras do silêncio. Escuto teu dulcíssimo pranto florescer meu silêncio triste.

III.

A morte restituiu ao silêncio seu prestígio enfeitiçante. E eu não direi meu poema e eu hei de dizê-lo. Mesmo que o poema (aqui, agora) não tenha sentido, não tenha destino.

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▪ Alejandra Pizarnik
( Argentina 🇦🇷 )

O quarto do suicida

Vocês devem achar que o quarto estava vazio.
Pois havia ali três cadeiras de encosto firme.
Uma boa lâmpada contra a escuridão.
Uma mesinha, e sobre a mesinha uma carteira, jornais.
Um Buda alegre, um Jesus aflito.
Sete elefantes para dar sorte, e na gaveta um caderninho.
Você acha que nele não estavam nossos endereços?

Acham que faltavam livros, quadros ou discos?
Pois lá estava o trompete consolador nas mãos negras.
Saskia com uma flor cordial.
Alegria, centelha divina.
Na estante Ulisses num sono reparador
depois dos esforços do Canto Cinco.
Os moralistas,
seus nomes inscritos em letras douradas
nas lindas lombadas de couro.
Ao lado, também os políticos perfilados.

Não parecia que o quarto fosse
sem saída, pelo menos pela porta
nem sem vista, pelo menos pela janela.
Os óculos para longe largados no parapeito.
Uma mosca zunindo, ou seja, ainda viva.
Devem achar que ao menos a carta explicasse algo.
E se eu lhes disser que não havia carta –
éramos tantos os amigos e coubemos todos
no envelope vazio apoiado no lado do corpo.

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▪ Wisława Szymborska
( Polónia 🇵🇱 )
Mudado para português do brasil por Regina Przybycien

TESOURO

No inverno os guardas arrancaram o cobertor da
pele dos habitantes do jardim. Um deles não verá o dia.

Na primavera foram lançadas garrafas cegas
nas casas assinaladas, que se incendiaram.

À noite busquei refúgio em teu corpo
como um menino se abriga no pé de morango.

Ouvir somente a tua respiração
apoiar-me em ti da cabeça aos pés e por um instante

não ver nuvens de veneno e de ocaso
acumulando-se pesadas.

Que mais direi.

Que és na minha pobreza o tesouro oculto
que a mão deles não alcançará.

Que eu seja na tua pobreza o tesouro oculto
que o saber deles não alcançará.

 

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▪ Tal Nitzán
( Israel  🇮🇱 )

Mudado para português do Brasil por Moacir Amancio

MEDO

Medo de ver a polícia estacionar à minha porta.
Medo de dormir à noite.
Medo de não dormir.
Medo de que o passado desperte.
Medo de que o presente alce voo.
Medo do telefone que toca no silêncio da noite.
Medo de tempestades elétricas.
Medo da faxineira que tem uma pinta no queixo!
Medo de cães que supostamente não mordem.
Medo da ansiedade!
Medo de ter que identificar o corpo de um amigo morto.
Medo de ficar sem dinheiro.
Medo de ter demais, mesmo que ninguém vá acreditar nisso.
Medo de perfis psicológicos.
Medo de me atrasar e medo de ser o primeiro a chegar.
Medo de ver a letra dos meus filhos em envelopes.
Medo de que eles morram antes de mim, e que eu me sinta
[ culpado.
Medo de ter que morar com a minha mãe em sua velhice,
[ e na minha.
Medo da confusão.
Medo de que este dia termine com uma nota infeliz.
Medo de acordar e ver que você partiu.
Medo de não amar e medo de não amar o bastante.
Medo de que o que amo se prove letal para aqueles que amo.
Medo da morte.
Medo de viver demais.
Medo da morte.
Já disse isso.

 
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▪ Raymond Carver
( E.U.A. 🇺🇲 )
Mudado para português(brasil) por Cide Piquet

O MEU MAIOR MEDO

O meu maior medo
é o de transformar-me em “uma poeta”…
Ficar trancada no quarto
olhando o mar
e esquecer…
Medo de que os pontos em minhas veias cicatrizem
e que, em vez de ter uma vaga memória dos noticiários de TV,
eu passe a rabiscar papéis e vender “meus pontos de vista”…
Medo de que os que passaram por cima de nós possam me aceitar
para poderem me usar.
Medo de que meus gritos virem um murmúrio
para fazer o meu povo dormir.
Medo de aprender a usar métrica e ritmo
e ficar presa dentro deles
ansiando que meus versos se tornem canções populares.
Medo de vir a comprar binóculos para ver de perto
as ações de sabotagem das quais não estarei participando.
Medo de cansar-me — uma presa fácil para padres e acadêmicos —
e com isso transformar-me em uma mulherzinha covarde
Eles têm seus métodos…
Podem utilizar a rotina com que nos acostumamos,
já nos transformaram em cães:
nos deram a vergonha por não trabalhar…
depois o orgulho por estarmos desempregados…
É assim que é.
Psiquiatras astutos e policiais deploráveis
esperam por nós nas esquinas.
Marx…
É outro medo
Eu não o esqueço também…
Esses filhos da puta … a culpa é toda deles…
Eu não consigo — merda — nem terminar de escrever isso
Talvez… hum?… talvez um outro dia…

 

Katerina Gógou (1940-1993) foi uma poeta grega anarquista e figura representativa do radicalismo político e da cena cultural dos anos 1980 em Exarchia. Katerina nasceu em Atenas e os primeiros anos de sua vida foram marcados pela fome, a ocupação nazista, a resistência e a guerra civil. Participou de mais de 30 filmes gregos. Sua poesia de forte impacto está fincada na condição humana e na rebeldia revolucionária de conteúdo anarco-comunista. Katerina cometeu suicídio aos 53 anos com overdose de barbitúricos.

 
“Escreva alguma coisa, mesmo que seja apenas um bilhete de suicídio.”

GORE VIDAL
*


▪ Katerina Gógou
( Grécia 🇬🇷 )
Mudado para português ( brasil ) por Maira Parula a partir da versão em inglês de G. Chalkiiadakis

NÃO JOGUES FORA AS CARTAS DE AMOR

Eles nunca te vão abandonar.
O tempo passará, o desejo se apagará
– esta flecha de sombra –
e os rostos sensuais, belos e inteligentes,
ocultar-se-ão em ti, no fundo de um espelho.

Os anos passarão. Cansar-te-ão os livros.
Descerás mais ainda
e perderás mesmo a poesia.

O ruído da cidade nas janelas
acabará por ser a tua única música,
e as cartas de amor que guardaste
serão a tua última literatura.

NO TIRES LAS CARTAS DE AMOR

Ellas no te abandonarán.
El tiempo pasará, se borrará el deseo
– ésta flecha de sombra –
y los sensuales rostros, bellos e inteligentes,
se ocultarán en ti, al fondo de un espejo.

Caerán los años.
Te cansarán los libros.
Descenderás aún más
e, incluso, perderás la poesía.

El ruido de ciudad en los cristales
acabará por ser tu única música,
y las cartas de amor que habrás guardado
serán tu última literatura.

 

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▪ Joan Margarit
( Espanha 🇪🇸 )
Mudado para português por M.A.

PARADOXO NO CAMPO DE BATALHA

Só os paradoxos florescem no campo de batalha.

Quando o comandante mau ordena um ataque
os desertores aumentam o tempo todo
até que o exército se apaga.

Quando o comandante bom ordena um ataque
cada vez mais voluntários se alistam
e a guerra continua.

Mas então o comandante mau é que é bom?
Mas então o comandante bom é que é mau?

 


▪ Anton Helgi Jónsson
( Islândia 🇮🇸 )
Mudado para português do Brasil por Luciano Dutra