DEZ TANKA

the first wind
of autumn and
still no moon
to carry me
into winter

primeiro vento
de outono
e lua nenhuma
para me levar
até ao inverno

*

there you are
midway through a
dream, telling
me the moon is
made of paper

ali estás
a meio de um
sonho, dizendo-me
que a lua é
feita de papel

*

they play cards
on the floor of the
wet market,
sandwiched between
the cries of fish

jogam às cartas
no chão molhado
do mercado,
entre os gritos
dos peixes

*

twilight. . .
passersby paint
the walls of
the cemetery
with shadows

crepúsculo…
transeuntes pintam
com sombras
as paredes
do cemitério

*

she acts
as if darkness
was more than
a lover walking
on telephone lines

ela age
como se a escuridão
fosse mais do que
um amante a caminhar
por linhas telefónicas

*

the look she
gave me when i
handed her
a bag of peanuts
nailed to the sky

o olhar que ela
me deitou quando
lhe entreguei
um saco de amendoins
pregado ao céu

*

almost 60,
this gnarled tree reminds
me of an old
man riding a bicycle
in his underwear

quase 60,
esta árvore retorcida
lembra-me um velho
em roupa interior
a andar de bicicleta

*

this breeze
and the song sung
on limbs
by small leaves
pretending to be birds

esta brisa
e a canção cantada
nos ramos
por folhas novas
fingindo serem pássaros

*

a shooting
star races past
me on its
way to another
man’s pocket

uma estrela
cadente passa
por mim depressa
a caminho do bolso
de outro homem.

*
what is winter
to patients waiting
in line to
use the hospital
ward’s one toilet?

o que é o inverno
para os doentes na fila
à espera de usar
a única casa de banho
da enfermaria?

 

_

▪ Robert D Wilson
(U.S.A. 🇺🇲)
Mudado para português por _ Francisco José Craveiro de Carvalho _ (Poeta, Tradutor e Matemático)

MISTÉRIOS, SIM

Na verdade, vivemos com mistérios demasiado maravilhosos
para serem entendidos.
Como pode a erva ser nutritiva
na boca dos cordeiros.
Como podem os rios e as pedras estar em permanente
aliança com a gravidade
enquanto nós ansiamos elevar-nos.
Como podem duas mãos ao tocar-se firmar laços
que nunca mais se quebram.
Como é que as pessoas, vindas do prazer ou
das cicatrizes dos golpes,
chegam ao conforto de um poema.

Deixem-me manter sempre a distância
dos que pensam ter todas as respostas.

Deixem-me ficar na companhia dos que dizem
“Olhem!” e riem de assombro
e inclinam reverentes a cabeça.

 

_
▪ Mary Oliver
( E.U.A. 🇺🇲 )
Mudado para português por Soledade Santos

ANTIMATÉRIA

No outro lado de um espelho há um mundo ao contrário,
onde os loucos se curam; onde os ossos saem da
terra e recuam até ao sedimento inicial do amor.

E à noitinha o sol está a nascer.

Os amantes choram porque estão um dia mais novos, e em breve
a infância lhes roubará o prazer.

Nesse mundo há muita tristeza que, claro, é alegria.

 

_
▪ Russell Edson
(E.U.A. 🇺🇸)
Poema mudado para português por Francisco José Craveiro de Carvalho

ARMAZÉM

Quando mudei de casa
Descobri imensas coisas para as quais não tinha
espaço. O que se faz numa situação destas? Aluguei
um armazém. Enchi-o. Passaram-se anos.
De quando em vez, visitava-o, observava as minhas coisas,
mas nada acontecia, nem uma só
pontada no coração sentia.
À medida que fui envelhecendo, as coisas que realmente gostava
foram diminuindo, mas crescendo
em importância. Então, um dia abri o cadeado
e chamei o homem do ferro-velho. Ele
levou tudo o que lá estava.
Senti-me como um pequeno burrito, quando
o libertam do seu fardo. Coisas!
Queima-as! Queima-as! Faz uma maravilhosa
fogueira! Mais espaço fica no teu coração para o amor,
para as árvores! Para os pássaros, que nada
possuem – a razão de poderem voar.

 

_
▪ Mary Oliver
(EUA 🇺🇲 )
in “ Felicidade”, 2015
Mudado para português por Pedro Belo Clara

SEREIA

tinha de entrar na casa de banho por uma cena qualquer
e bati à porta
estavas na banheira tinhas lavado o rosto e o cabelo
eu vi o teu torso
e tirando os seios
parecias uma menina de cinco, oito anos
estavas tranquilamente feliz dentro de água
Linda Lee.
não somente eras a essência daquele
momento
mas de todos os meus momentos
até àquele
tu tranquilamente tomando banho no marfim
mas não havia nada
que eu te pudesse dizer.

peguei naquilo que queria da casa de banho
uma cena qualquer
e saí.

 

_
▪ Charles Bukowski
(E.U.A. 🇺🇲)
in “Sobre o amor”
Mudado para português por Valério Romão

SAPATOS

Sapatos no guarda-roupa como lírios de Páscoa,
os meus sapatos sozinhos neste momento,
e outros sapatos com outros sapatos
como cães andando por avenidas,
e só o fumo não basta
e recebi uma carta de uma mulher no hospital,
amor, diz ela, amor,
mais poemas,
mas eu não escrevo,
não me compreendo a mim mesmo,
ela manda-me fotografias do hospital
tiradas do ar,
mas eu lembro-me dela noutras noites,
quando não estava a morrer,
sapatos com saltos como adagas
ladeando os meus,
como essas noites intensas
podem mentir tanto,
como essas noites se transformaram finalmente
nos meus sapatos no guarda-roupa
encimados por sobretudos e camisas sem jeito,
e olho para o buraco deixado pela porta
e para as paredes, e não
escrevo.

 

_
▪ Charles Bukowski
(E.U.A. 🇺🇲)
in “Sobre o amor”
Mudado para português por Valério Romão

ESPERA

Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia o analista que a espera é uma das coisas que faziam as pessoas ficarem loucas? Esperavam para viver, esperavam para morrer. Esperavam para comprar papel higiénico. Esperavam na fila para levantar dinheiro. E, se não tinham dinheiro, precisavam  de esperar em filas mais longas. A gente tinha de esperar para dormir e esperar para acordar. Tinha de esperar para se casar e para se divorciar. Esperar para comer e esperar para comer de novo. A gente tinha de esperar na sala de espera do analista com um monte de doidos, e começava a pensar se não estava doido também.

 

_
▪ Charles Bukowski
(E.U.A. 🇺🇲)
in “O último suspiro do velho safado”

 

PARA O ANO DOS LOUCOS UMA ORAÇÃO

Ó Maria, frágil mãe,
ouve-me, ouve-me agora
embora eu desconheça as tuas palavras.
O rosário negro com o seu Cristo de prata
permanece por benzer na minha mão
porque eu sou a descrente.
Cada conta redonda e dura entre
os meus dedos,
um pequeno anjo preto.
Ó Maria concede-me esta graça,
esta passagem,
embora eu seja feia,
submersa no meu próprio passado
e na minha própria loucura.
Embora haja cadeiras
eu estendo-me no chão.
Apenas as minhas mãos estão vivas,
a tocar contas,
palavra a palavra, eu tropeço.
Uma iniciada, sinto a tua boca tocar a minha.

Conto contas como ondas,
a baterem sobre mim,
estou doente com o seus números,
doente, doente, no calor do verão
e a janela por cima de mim
é a minha única ouvinte, o meu ser estranho
ela é uma larga recebedora, uma mitigadora.

A dadora de respiração
ela murmura,
exalando o seu largo pulmão como um peixe enorme.

Cada vez mais perto
vem a hora da minha morte,
enquanto eu rearranjo a minha cara, volta a crescer,
cresce por desenvolver e com o cabelo liso.
Tudo isto é morte.
Na memória há um beco estreito chamado morte
E eu movo-me nele
como se fosse água .
O meu corpo não tem utilidade.
Jaz, enrolado como um cão na carpete.
Desistiu.
Não há palavras aqui senão as meio aprendidas,
o Avé Maria e o cheia de graça.
Agora entrei no ano sem palavras.
Anoto a entrada estranha e a voltagem certa.
Sem palavras elas existem.
sem palavras podemos tocar no pão
e ser-nos-á entregue pão
sem som.

Ó Maria, terna médica
vem com pós e ervas
Porque eu estou no centro.
É muito pequeno e o ar é cinzento
como numa casa de máquinas.
Dão-me vinho como dão leite a uma criança.
É apresentado num copo delicado com um bojo redondo e uma borda fina.
O vinho tem cor de breu, bafiento e secreto.

O copo ergue-se sozinho em direcção à minha boca
E eu reparo nisto e percebo isto
Apenas porque aconteceu.
Tenho este medo de tossir
mas não falo,
um medo de chuva, do cavaleiro
que cavalga para a minha boca.
O copo inclina-se sozinho
E eu estou em chamas.
Vejo dois finos fios a
queimarem-me o queixo.
Fui cortada em dois.

Ó Maria, abre as tuas pálpebras.
Estou no domínio do silêncio,
o reino dos loucos e dos adormecidos.
Há sangue aqui
E eu comi-o
Ó mãe do ventre
vim apenas pelo sangue?
Ó pequena mãe,
estou na minha própria mente.
Estou trancada na casa errada.


▪️Anne-Sexton
(E.U.A. 🇺🇲)
in “The Death Notebooks”, 1974
Mudado para português por Maria Sousa