MÃEZINHA

Mãezinha

A terra de meu pai era pequena
e os transportes difíceis.
Não havia comboios, nem automóveis, nem camiões, nem mísseis.
Corria branda a noite e a vida era serena.
Segundo informação, concreta e exata,
dos boletins oficiais,
viviam lá na terra, a essa data,
3023 mulheres, das quais
45 por cento eram de tenra idade,
chamando tenra idade
à que vai do nascimento até à puberdade.
28 por cento das restantes
eram senhoras, daquelas senhoras que só havia dantes.
Umas, viúvas, que nunca mais (oh! Nunca mais!) tinham sequer sorrido
desde o dia da morte do extremoso marido;
outras, senhoras casadas, com filhos…
(De resto, as senhoras casadas,
pelas suas próprias condições,
não têm que ser consideradas
nestas considerações.)

Das outras, 20 por cento,
eram meninas casadoiras, seriíssimas, discretas,
mas que, por temperamento,
ou por outras causas mais ou menos secretas,
não se inclinavam para o casamento.

 

Além destas meninas havia, salvo erro, 32,
que à meiga luz das horas vespertinas
se punham a tricotar por detrás das cortinas
espreitando, de revés, quem passava nas ruas.

Dessas havia 9 que moravam
em prédios baixos como então havia,
um aqui, outro ali, mas que todos ficavam
no troço habitual que o meu pai percorria,
calmamente, no maior sossego,
às horas em que entrava e saía do emprego.

Dessas 9 excelentes raparigas
uma fugiu com o criado da lavoura;
5 morreram jovens, de bexigas;
outra, que veio a ser grande senhora,
teve as suas fraquezas mas casou-se
e foi condessa por real mercê;
outra suicidou-se
não se sabe porquê.

A que sobeja
chama-se Mariazinha.
Foi essa que o meu pai levou à igreja.
Foi a minha mãezinha.

 

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▪ António Gedeão
( Portugal 🇵🇹 )

 


Poesia dita por Vitor D’Andrade

POEMA DA MORTE NA ESTRADA

Na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
estão quinhentos mortos com os olhos abertos.

A morte, num sopro, colheu-os aos molhos.
Nem tiveram tempo para fechar os olhos.

Eles bem sabiam dos bancos da escola
como os homens dignos sucumbem na guerra.
Lá saber, sabiam.
A mão firme empunhando a espada ou a pistola,
morrendo sem ceder nem um palmo de terra.

Pois é.
Mas veio de lá a bomba, fulgurante como mil sóis,
não lhes deu tempo para serem heróis.

Eles bem sabiam que o último pensamento
devia estar reservado para a pátria amada.
Lá saber, sabiam.
Mas veio de lá a bomba e destruiu tudo num só momento.
Não lhes deu tempo para pensar em nada.

Agora,
na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
são quinhentos mortos com os olhos abertos.

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▪ 
António Gedeão
( Portugal 🇵🇹 )
in “Poemas Escolhidos” – Edições João Sá da Costa, 1996