É BOA A GUERRA

 

Não chores, rapariga, é boa a guerra.
Lá porque o teu rapaz ergueu as mãos ao céu
E a galope o cavalo se perdeu,
Não chores, não.
É boa a guerra.

Tambores de regimento rufam roucos,
E esta gente sequiosa de lutar
Nasceu para a recruta e p’ra morrer.
A inexplicada glória os sobrevoa,
É grande o deus da guerra, e é seu reino
Um campo com milhares a apodrecer.

Não chores, criancinha, é boa a guerra.
Porque o teu pai tombou na lama da trincheira,
Esfacelado o peito e já sem vida,
Não chores, não.
É boa a guerra.

Bandeiras crepitando esvoaçantes,
Águias douradas, rubras! Esta gente
Nasceu para a recruta e p’ra morrer.
Mostrai-lhe as eficácias do massacre,
Dizei-lhe a excelência de matar,
De um campo com milhares a apodrecer.

Mãe cujo amor é qual botão mesquinho
Na esplêndida mortalha do teu filho,
Não chores, não.
É boa a guerra.

 

Stephen Crane
in Poesia do Século XX, antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena,

 

UM DEUS IRADO

Um deus irado
Batia num homem;
Espancava-o ruidosamente
Com golpes atroadores
Que soavam e ressoavam pela Terra.
Toda a gente veio a correr.
O homem gritava e procurava libertar-se,
E mordia furiosamente os pés do deus.
As pessoas exclamavam: “Ah, que homem malvado!”
E –
“Ah, que deus formidável!”

 

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▪ Stephen Crane
(U.S.A. 🇺🇲)
in “Antologia de Poesia Anglo-Americana”
Mudado para português _ António Simões

NO DESERTO

No deserto,
vi uma criatura nua, brutal,
que de cócoras na terra
tinha o seu próprio coração
nas mãos, e comia…

Disse-lhe: É bom, amigo?
É amargo – respondeu –,
amargo,
mas gosto
porque é amargo
e porque é o meu coração.

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▪ Stephen Crane
( E.U.A. 🇺🇲 )
Mudado para português por _ Herberto Helder