Sapatos no guarda-roupa como lírios de Páscoa,
os meus sapatos sozinhos neste momento,
e outros sapatos com outros sapatos
como cães andando por avenidas,
e só o fumo não basta
e recebi uma carta de uma mulher no hospital,
amor, diz ela, amor,
mais poemas,
mas eu não escrevo,
não me compreendo a mim mesmo,
ela manda-me fotografias do hospital
tiradas do ar,
mas eu lembro-me dela noutras noites,
quando não estava a morrer,
sapatos com saltos como adagas
ladeando os meus,
como essas noites intensas
podem mentir tanto,
como essas noites se transformaram finalmente
nos meus sapatos no guarda-roupa
encimados por sobretudos e camisas sem jeito,
e olho para o buraco deixado pela porta
e para as paredes, e não
escrevo.
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▪ Charles Bukowski
(E.U.A. 🇺🇲)
in “Sobre o amor”
Mudado para português por Valério Romão