Dia de recordação dos mortos na guerra: junta
o luto de todas as tuas ao luto da perda deles,
inclusive a perda da amada que te deixou; mistura
sofrimento com sofrimento, conforme faz à memória parcimoniosa,
ao contrair festa, sacrifício e dor, tudo num dia só,
data festiva e de fácil lembrança.
Doce mundo, embebido feito pão
em leito doce para o Deus terrível e sem dentes
“Por trás disso tudo, uma grande felicidade oculta”.
De nada te serve chorar por dentro e gritar por fora.
Por trás disso tudo, uma grande felicidade se oculta, talvez.
Dia de recordação dos mortos. Sal amargo vestido de
menina pequena com flores.
Cordas disposta ao longo do caminho
de um desfile conjunto: vivos e mortos.
Crianças com passos de luto alheio,
como se andassem sobre cacos de vidro.
A boca da flautista permanecerá assim por muitos dias.
Um soldado morto nada por entre pequenas cabeças,
com braçadas de morto, no antigo equívoco que possuem os mortos
sobre o lugar da água viva.
Uma bandeira perde o contato com realidade e voa.
uma vitrine enfeitada com vestidos bonitos de mulher,
em azul e branco. E tudo em
três línguas: hebraico, árabe e morte.
Um animal grande e majestoso agoniza durante a noite,
sob o jasmim, olhando o mundo incessantemente.
Um homem anda na rua — seu filho morreu na guerra —
como uma mulher carregando um feto morto no ventre.
“Por trás disso tudo, uma grande felicidade se oculta.”
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▪ Yehuda Amichai
( Israel 🇮🇱 )
Tradução de Berta Waldman, Roney Cytrynpwicz e Tal Goldfajn.