TERAPIA

Leio Santa Teresa
e rezo na hora de pôr a mesa.
Li Miguel de Cervantes
e continuo como antes.
Leio Jorge Manrique
e faço dísticos com minha psique.
Li São João da Cruz
e o caixão é lindo.
Li Nietzshe e li Kafka
e minha razão se rompe.

Léo e Léo e Leão Felipe!!!
Ser poeta é uma delícia.
Leio ensaios, leio romances,
fico acordado a noite toda.
Leio poesia, teatro,
minha alma cresce com o tempo.

Ler é uma terapia,
quem não lê fica cego
e surdo como uma parede.

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▪ Belén Reyes
( Espanha 🇪🇸 )

LEMBRANÇA DE AMANHÃ

Ficámos nas fotografias todos juntos
(vivos, mortos, tanto faz, sim, todos juntos)
com caras de turistas já cansados
de percorrer cidades invisíveis
à procura das mães. O turismo
é uma forma alegre de orfandade.
Pagar para sofrer, perder países.

Fartos de tirar fotografias, epitáfios
a cores, e felizes por nada compreendermos,
regressamos a casa, já era tempo,
carregados de recordações e desejos
de não voltar a sair,
de nos deixarmos de viagens e histórias,
de não termos de percorrer o mundo
perguntando ao mundo,
com um mapa na mão,
onde estamos, quem falta, aonde vamos.

O caos tem um calendário rigoroso
e o nada, festas para guardar.

Trouxe-te estas fotografias, vê-as.

São uma estranha lembrança da morte.

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▪ Juan Vicente Piqueras
( Espanha 🇪🇸 )

Mudado para português por Manuel Alberto Valente

O TELEFONE NEGRO

Marquei os números antigos com um vago desejo de respostas,
sabendo já que ninguém me esperava.
Com um desejo vão de ouvir vozes amadas
e que reconhecessem também a minha voz.
Meu telefone é negro,
e na noite ainda mais negra,
somente ouvia o som que chamava uns sepulcros.
E eu sozinho em casa.
______________________ Rasga-se a manhã
nos vidros turvos. Vai chegando o Verão.
Cantam os pássaros (os mesmos?),
E não sei se há consolo.

_____ Com a luz que nua amanhece,
nu, entro em casa,
_____________________ e toca o telefone.
Apresso-me. Digo-lhe que me fale.
Continua o silêncio, sei que estão a falar.
Sai a voz de alguma boca morta,
ou, acaso, de tão só, em mim há surdez?
Oiço outra vez os pássaros. E sei que são os mesmos
que então cantavam, tão eternos e frágeis.
Tenho que falar. Com quem,
se não saem também sons da minha boca?

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▪ Francisco Brines
( Espanha 🇪🇸 )
Mudado para português por  José Bento

 

A ÁRVORE DO OUTONO

No Outono eu sou a árvore da casa
e começo a recolher-me, a guardar
as últimas tranças do sol. Um frio ligeiro
arranha o pouco que tenho, as noites
começam a ser mais longas e as pessoas
que amava vão-se embora. É mais difícil
o início.
a ideia da ausência, do meu corpo sem folhas,
do que a ausência viva que habitará o Inverno.

À minha frente, parada como eu, a árvore
da outra casa sofre a mesma agonia. E não falamos,
não aprendemos como se falam e abraçam,
as árvores no outono.

 

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▪ Teresa Agustín
( Espanha 🇪🇸 )
Mudado para português por _ Jorge Sousa Braga

HOSPITAL, ANÁLISES

De uma sala
no terceiro
andar
via-se
uma parte mínima
da cidade.
Eu passava horas ali,
com um maço
de cigarros,
olhando-a.
Não havia muito mais
a fazer.
Nem o veredicto
estava nas minhas mãos,
nem se podia recorrer.

 

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▪ Karmelo C. Iribarren
( Espanha 🇪🇸 )
in “Estas Coisas Acontecem Sempre de Repente”
Mudado para português por José Craveiro de Carvalho

FILHA

Filha, se em algum momento,
enquanto estás ocupada a crescer
– dura e lícita tarefa –
puderes olhar-me nos olhos,
fá-lo.

Não deixes as perguntas
para quando for a mesma voz
a perguntar e a responder.

Olha que nesta família
temos o doloroso costume
de conhecer-nos melhor em mortos.

 

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▪ Ana Pérez Cañamares
( Espanha 🇪🇸 )

MEDO DO QUE SOMOS

A multidão toca sempre a violência.
Mas a solidão é que é sempre considerada um castigo:
Assusta tanta gente. E, no entanto, o monstro
está na multidão: dos manifestantes,
ou dos polícias, dos grandes comícios políticos,
dos estádios cheios, dos desfiles com armas,
dos exércitos atacando ou defendendo,
a multidão dos mortos, as casas arrasadas.
Então porquê todo este medo?
Quão impiedosa, esta espécie
a que pertenço. Nenhuma outra é tão malvada.
Engana quando é frágil e nos mostra
o sofrimento de crianças de velhos e doentes.
Mas as multidões precisam de matar.
Com as entranhas frias, agora afasto-me
como um animal de bosque.

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▪ Joan Margarit
(Espanha 🇪🇸)
in “Animal de Bosque”, Editora Língua Morta, Lisboa, 2024
Mudado para português por Miguel Filipe Mochila