O ENCONTRO

Muda mil e uma vezes de sapatos,
de blusa, de casaco, de batom…
Por fim dá um último toque
numa sobrancelha e sorri: “Já está”.
Trauteando uma velha canção,
pega no saco e sai. Feliz.
Como nunca pensou poder sentir-se.

 

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▪ Karmelo C. Iribarren
( Espanha 🇪🇸 )

in “Estas Coisas Acontecem de Repente” _
Mudado para português por Francisco José Craveiro de Carvalho

A esposa de Ló

Ninguém ainda nos esclareceu
se a esposa de Ló foi transformada
numa estátua de sal apenas como punição
pela curiosidade incontrolável
e pela desobediência,
ou se ela se voltou porque no meio
de todo aquele fogo terrível
ardia o coração que ela mais amava.

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▪ Amalia Bautista
( Espanha 🇪🇸 )

MEU FILHO

Que sou livre, dizem-me.
Porém se quisesse ter outro filho
teria de o levar ao banco da esquina
porque sua é a minha casa.
O meu menino chamaria pai ao gerente
e mãe à caixa
aprenderia a andar com uma cadeira
de rodinhas de escritório
dormiria numa gaveta dos arquivos
e eu seria apenas um parente afastado
que lhe sorriria do meu lugar na fila.
Passaria por lá de vez em quando com a desculpa de aumentar a hipoteca
só para ver como o criam
como o ar condicionado o afecta
se sabe enviar um fax
e se o gerente lhe oferece um jogo de frigideiras
pelo seu aniversário.

 

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▪ Ana Pérez Cañamares
( Espanha 🇪🇸
Mudado para português por _ LF Parrado

A MULHER MAIS FEIA DO MUNDO

A mulher mais feia do mundo
falava-me dos tratamentos faciais gratuitos
enquanto punha na minha mão um folheto
com a mulher mais bela do mundo.
Foi às 10 horas da manhã.
A mulher mais feia do mundo
deve entregar 500 folhetos diários
da mulher mais bela do mundo
para ganhar 587 euros por mês.
Ninguém olha a cara da mulher mais feia do mundo.
Ninguém se atreve.

 

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▪ Carmen Ruiz Fleta
( España 🇪🇦 )
Mudado para português por _ Luís Filipe Parrado

FORJA

São golpes silenciosos: nada se ouve.
Um é a incompreensão, outro é o desprezo,
outro é a humilhação, outro são os maus-tratos,
repetidos em ritmos desiguais.
O meu sofrimento tornou-se incandescente.
Como sinto o martelo, e como
vibra esta bigorna, a dura solidão,
e as pinças do Ferreiro doem.
E não sei qual será a minha forma…

 

 

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▪ Mário Miguez
( Espanha 🇪🇦 )