A ÁGUA

“A água não opõe resistência. A água corre. Quando mergulhas uma mão na água vês só uma carícia. A água não é um muro, não pode parar. Vai para onde quer ir e nada se lhe pode opor. A água é paciente. A água que goteja consome uma pedra.
Lembra-te, minha filha. Lembra-te que metade de ti é água. Se não podes superar um obstáculo, vai à volta dele. Como faz a água.”

 

 

_
▪ Margaret Atwood
(Canadá 🇨🇦 )

Mas eu ainda não descobri outra maneira de analisar a poesia para além do secretíssimo estremeção,
como um choque eléctrico, que alguns versos que lemos descarregam sobre o nosso coração.

 

▪ Manuel Hermínio Monteiro
( Portugal 🇵🇹 )

O TAL PRAZER DA ESCRITA

A escrita é muitas coisas mas é também uma forma de salvação: ela descobre, ela acicata a memória, fecha-nos às aflições do momento, mergulhando-nos num universo prodigioso, escudado e inacessível às turbulências exteriores.

E cura-nos, pela alegria que nos dá o encontrar as palavras certas para exprimir o inefável.

A escrita é a melhor arma de defesa e de ataque de que dispomos. Nenhuma nos defende tão bem de uma ferida ou faz, nos outros, uma ferida tão perene.

A escrita foi inventada por alguém que precisava muito dela, para registar informações. Assim, começou por ser útil e passou a ser agonicamente necessária.

Escrevo, logo existo.
Mas também: escrevo, logo não sofro.

Quando escrevo, falo de um sofrimento que já foi, mas que deixa de o ser, no momento em que o escrevo. A funda alegria de o escrever mata o sofrimento que já se sentiu, mas se apaga ante o fulgor da escrita.

Como dizia Montherlant, o escritor é aquele ser peculiar, que sofre, não sofrendo.

O Camões que escreveu o “Alma minha” não sentia, no momento em que a invocava, saudades da morta, sua amada. O que ele sentia, no momento da escrita, era a alegria de escrever uma saudade, que sentira, antes de a escrever, mas que não podia sentir, no momento em que a escrevia.

O escritor é um monstro que mata, sem escrúpulos, no momento de o celebrar, o mais profundo sentimento que antes o afligira, para melhor o poder glosar, com os utensílios da sua arte.

A alegria de escrever, o tal prazer da escrita tem muito de inumano.

O grande escritor é, na sociedade em que vive, um suspeito a vigiar, porque pode ser perigoso. Por isso, o escritor Tonio Kröger, da famosa novela de Thomas Mann, ao regressar um dia, na tarde da sua vida, coberto de glória, à sua terra natal, torna-se suspeito, aos olhos da polícia local, que o toma por um malfeitor…

Não nos esqueçamos de que o grande William Faulkner declarou um dia que seria capaz de matar meia dúzia de velhinhas, se isso lhe permitisse escrever a belíssima ODE A UMA URNA GREGA, do poeta John Keats.

Um poeta é capaz de tudo, mesmo de vender a alma ao diabo, para acertar um verso ou colocar uma vírgula no lugar certo.

Quem não compreende isto não compreende nada deste ofício nem dos seus oficiantes.

 

_

▪ Eugénio Lisboa
( Portugal 🇵🇹 )

Breves notas sobre literatura-Bloom

ACUMULAR-  Não se devem acumular informações ou episódios narrativos. O que se acumula são perplexidades.
A literatura exige especialistas em mistérios.Mas não mistérios de detectives, com um fim determinado: o assassino é descoberto. Trata-se (na literatura) de um especialista que estuda o mistério, aumentando-o. Estudar o mistério é aumentar o mistério, não é diminuí-lo. De certa maneira, a análise literária-Bloom é também isto: não diminuir as perplexidades, aumentá-las.
No final de um texto-Bloom, ou mesmo no final de uma frase- Bloom, o leitor deve não-saber mais factos do que não-sabia antes.
Este, porém, não é um método para aumentar a ignorância, mas um método para aumentar a curiosidade.
Acumular é,pois,diminuir,tornar mais raro.

 

▪ Gonçalo M. Tavares
( Portugal 🇵🇹 )
In “ Breves Notas sobre Literatura-Bloom”

Sempre que olho para o oceano, sempre quero falar com as pessoas,
mas quando estou a falar com as pessoas, sempre quero olhar para o oceano.

 

_
▪ Haruki Murakami
(Japão 🇯🇵 )